A reforma a tempo parcial prevê uma passagem gradual para a reforma completa: permite reduzir a carga horária e acumular o salário com uma parte da pensão de velhice antes dos 66 anos. Está implementado em mais de metade dos países da União Europeia, avança a DecoProteste.
«Nada tem a ver com a reforma antecipada, tão-pouco com a pré-reforma. Pode dizer-se que o regime de reforma a tempo parcial é um híbrido, que permite ao trabalhador reduzir a carga horária e receber uma parte da pensão, para compensar a perda de rendimento».
O regime não está, no entanto, ainda implementado em Portugal. Em outubro passado, o Governo assinou com a UGT e três confederações patronais (CIP, CAP, CCP) um documento que contempla o desenvolvimento deste mecanismo, mas a queda do Executivo e a dissolução da Assembleia da República impediram que se avançasse com a sua criação.
A promessa de 2015 de conjugar o trabalho com a reforma foi, assim, uma vez mais adiada. O Governo teve apenas tempo de aprovar uma resolução, publicada em Diário da República na segunda semana de janeiro de 2024, que contempla um plano de ação de envelhecimento ativo e saudável.
Este plano, que deverá ser implementado até ao final de 2026, enumera 83 medidas, entre as quais a reforma a tempo parcial. O objetivo é dinamizar o envelhecimento ativo, criar programas de emprego para trabalhadores com idade a partir de 50 anos, bem como medidas que permitam conciliar trabalho com a vida pessoal e familiar.
À semelhança de outros países, Portugal pretende implementar novos modelos que permitem, nos últimos anos no mercado de trabalho, uma transição progressiva e gradual para a reforma legal, que, em 2024 será de 66 anos e 4 meses (igual à de 2023) e de 66 anos e 7 meses, em 2025 (igual à que vigorou em 2022).
De acordo com a resolução aprovada em janeiro, “o envelhecimento da população ativa leva à necessidade de adaptar as carreiras profissionais e os postos de trabalho, com benefícios na produtividade e no bem-estar dos trabalhadores.” Fomentar a partilha de conhecimento e experiência entre gerações é outro argumento avançado: “O aumento da idade dos trabalhadores exige um olhar adequado para combater o idadismo no local de trabalho, fomentando a diversidade geracional.”
Reforma mais flexível noutros países
De acordo com a Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofund), mais de metade dos estados-membros da União Europeia têm regimes de reforma parcial, que se aplicam a nível nacional ou setorial. A Noruega foi a primeira a adotar este mecanismo, em 1967. Seguiu-se a Suécia, em 1976, país onde os trabalhadores podem optar por receber 25%, 50% ou 75% da pensão.
Com efeito, os regimes são muito díspares de país para país, pois diferem quer no formato, quer nas coberturas oferecidas. A flexibilidade está limitada de várias formas. Por exemplo, a idade com a qual se pode aceder à reforma a tempo parcial ou a redução de horas permitidas. Todavia, todos os regimes têm em comum a diminuição da carga horária, bem como a concessão de uma pensão ou benefício parcial.
Melhorar a sustentabilidade dos sistemas de pensões parece ser a principal razão para as nações adotarem este mecanismo de reforma a tempo parcial. Com o aumento da esperança de vida, pagar pensões de velhice durante quase 20 anos a reformados constitui uma despesa considerável para o erário público de muitas nações. Não surpreende, portanto, que os decisores políticos queiram incentivar a entrada mais tardia na reforma, uma forma de enfrentarem os desafios das alterações demográficas.
Segundo a Eurofound, a maioria dos Estados-membros procedeu, desde 1990, à revisão dos seus sistemas de pensões, como foi o caso de Portugal. Em 2006, o nosso país introduziu um fator de sustentabilidade (15,8%, em 2024) que penaliza as reformas antecipadas, e alterou a forma de cálculo das pensões.
Contudo, o objetivo de desencorajar a reforma antecipada, com a introdução de penalizações, não teve o fim pretendido. “Muitas pessoas não conseguem ou estão desmotivadas para trabalhar até à idade da reforma”, salienta a Eurofund. Em Portugal, um em cada quatro trabalhadores reformou-se, em 2022, antes da idade legal da reforma. Metade dos que se reformaram antes dos 66 anos e quatro meses havia esgotado o subsídio de desemprego.
O acesso à reforma com recurso ao desemprego de longa duração é permitido aos 62 anos, sem penalização, a pessoas que ficam sem emprego aos 57 anos, desde que tenham 15 anos de contribuições para a Segurança Social. É ainda permitido aceder à reforma aos 57 anos se a pessoa tiver ficado desempregada aos 52 anos. Todavia, neste caso, terá de ter uma carreira contributiva de 22 anos e sofre uma penalização de 0,5% por cada mês de antecipação em relação à idade legal da reforma.
A Eurofound sustenta que a reforma a tempo parcial pode ser a solução: “a redução do tempo de trabalho é uma abordagem que visa permitir às pessoas trabalharem mais tempo do que seria viável se continuassem a tempo inteiro.”
O relatório da OCDE, Pensions at a Glance 2023 confirma que a tendência é para cada vez mais países adotarem a reforma parcial. O objetivo é, precisamente, permitir às pessoas receberem parte da pensão antecipadamente, adiando a saída do mercado de trabalho, ou mesmo complementar os rendimentos da reforma.
Efetivamente, os regimes de reforma parcial têm a vantagem de substituir a perda de rendimentos por uma pensão ou benefícios parciais. Por exemplo, na Holanda, esquemas de reforma parcial são amplamente oferecidos aos trabalhadores de alguns setores (setor público e educação, desde 1980; trabalhadores sociais, media, entre outros., desde o início deste século).
Mas a oportunidade de trabalhar menos horas por semana e receber parte da pensão é mais aproveitada por quem se quer reformar mais cedo e raramente por quem se reformou e pretende complementar a pensão.
Em Espanha, os trabalhadores por conta de outrem, sócios de empresas ou membros de cooperativas podem aceder ao regime de reforma parcial, em vigor desde 2013. As formas de acesso são duas. A primeira exige que o beneficiário tenha 60 anos de idade e 15 anos de cotizações para a Segurança Social, dois dos quais nos 15 anos que antecedem o acesso a este regime. A antiguidade na empresa é irrelevante. A jornada de trabalho pode ter uma redução mínima de 25% e máxima de 50 por cento.
No país vizinho, a segunda forma de acesso pressupõe que haja dois contratos em simultâneo: um celebrado com o trabalhador que se reforma parcialmente; outro que contempla a contratação de um desempregado, para compensar a redução de horário do outro trabalhador. Se o contrato for sem termo, a redução da jornada de trabalho pode chegar aos 75 ou mesmo 85 por cento. A idade mínima exigida para aceder à reforma parcial varia de acordo com os anos de cotizações para a Segurança Social. Todavia, no caso dos sócios ou membros de cooperativas, a idade mínima é de 60 anos. Exige-se ainda uma antiguidade na empresa de seis anos e, pelo menos, 30 anos de descontos para a Segurança Social (25 anos, em caso de o trabalhador ter incapacidade superior a 33 por cento.)
Prolongar a vida profissional
Ao motivar as pessoas a prolongar a sua vida profissional, confirma-se que a reforma a tempo parcial contribui para sistemas de pensões mais sustentáveis. Um estudo na Alemanha, país que aprovou o regime em 2004, concluiu que os homens prolongam a vida ativa em quase dois anos. Para o Estado, o custo dos três anos que dura, em média, esta reforma, é compensado pelas receitas de imposto sobre o rendimento que recebe. Além disso, poupa no subsídio de desemprego, uma vez que os trabalhadores permanecem mais tempo nas empresas.
O estudo concluiu, ainda, que, na Alemanha, as taxas de emprego aumentaram 5 pontos percentuais entre os trabalhadores das empresas que implementaram este regime, em comparação com aqueles que não o fizeram, reduzindo o desemprego em 4 por cento.
O The Journal of the Economics of Ageing confirma que há efeitos positivos, quer para os trabalhadores, quer para a Segurança Social, mas apenas se a idade de entrada na reforma parcial for igual à idade da reforma antecipada.
Num cenário, em que são pagos 50% dos benefícios de pensão durante a reforma parcial, há um ganho fiscal de cerca de 5700 euros por trabalhador. Este incremento está relacionado com o pagamento de impostos e contribuições para a segurança social mais elevadas.
Por outro lado, a mesma entidade salienta que os regimes que pagam uma percentagem mais alta da pensão durante a fase da reforma parcial podem afetar negativamente o valor das pensões dos trabalhadores quando atingem a idade legal da reforma. Isto aumenta o risco de pessoas com baixos rendimentos se tornarem dependentes de outros apoios sociais na velhice.
Em resumo, a idade da entrada no programa de reforma parcial, o momento em que são atribuídos os benefícios da pensão e o montante são determinantes.
Não se sabe quando, nem em que moldes, Portugal aprovará a reforma a tempo parcial. O responsável do Centro de Competências de Envelhecimento Activo acredita que este mecanismo poderá avançar ainda este ano. Segundo Nuno Marques, as medidas apresentadas na concertação social, em outubro de 2023, “foram bem recebidas.” Para ser implementado, precisa de ser legislado.