Mais ricos, mais saudáveis e mais felizes: Como são os seniores de hoje em dia?

Luís Jacob é presidente executivo da RUTIS – Rede de Universidades da Terceira Idade, que fundou em Almeirim, em 2005. No entanto, a primeira universidade sénior em Portugal é anterior à criação desta associação e remonta ao ano de 1978. Com o objetivo de apoiar a comunidade sénior e promover um conjunto de atividades destinadas a este público, a RUTIS tem vindo a crescer significativamente e já conta com mais de 300 universidades em Portugal e no estrangeiro.

Luís Jacob é presidente executivo da RUTIS – Rede de Universidades da Terceira Idade, que fundou em Almeirim, em 2005. No entanto, a primeira universidade sénior em Portugal é anterior à criação desta associação e remonta ao ano de 1978. Com o objetivo de apoiar a comunidade sénior e promover um conjunto de atividades destinadas a este público, a RUTIS tem vindo a crescer significativamente e já conta com mais de 300 universidades em Portugal e no estrangeiro.

Com que objetivos surgiu o conceito de universidade sénior? A primeira universidade para a terceira idade surgiu em Toulouse, em 1975, e corresponde àquilo a que chamamos de modelo francês. Neste modelo, universidades tradicionais, oficiais, criam um departamento para seniores. Normalmente, as formações destinam-se a pessoas que já têm algumas habilitações, os professores são profissionais e as pessoas vão lá para fazer um curso. Este é o modelo que vigora não só em França, mas também em Espanha, Bélgica, Suíça… No Brasil também é assim, parcialmente.

Entretanto, este modelo “emigrou” para Inglaterra, mas não foram as universidades a pegar na ideia. Quem se interessou pelo conceito foram as associações informais de seniores, ou seja, grupos de pessoas que se juntavam para ter aulas. Esta modelo inglês baseia-se, portanto, em grupos informais formados com base no voluntariado, para ter aulas de diversas áreas temáticas. Não funciona através de cursos, como o modelo francês.

Em Portugal, a primeira a surgir foi a Universidade Internacional para a Terceira Idade, em 1978. Desde então e até ao ano 2000, passámos a ter algumas universidades em Lisboa, Porto, Guimarães, Braga, Abrantes… Umas dez, aproximadamente. Estas universidades já funcionavam mais ou menos da mesma forma que o modelo inglês, com grupos informais, na base do voluntariado. Em 2001 eu criei a Universidade Sénior de Almeirim, que foi a primeira a surgir num meio rural. Todas as outras estavam em centros urbanos. Nessa altura fez-se alguma divulgação nos meios de comunicação social e não só as pessoas começaram a aparecer, como foram também surgindo outras universidades que copiavam aquele modelo.

O primeiro encontro nacional de universidades seniores decorreu em 2002, e cerca de dois anos depois, quando já existiam 30 universidades, surgiu a ideia de criar uma rede que viria a ser a RUTIS (Rede de Universidades da Terceira Idade). Este boom de universidades seniores aconteceu por vários motivos. Em primeiro lugar, em 2000 houve muitas pré-reformas de professores do ensino básico e funcionários dos setores da banca e seguros. Foi uma altura de muitas fusões nestes setores, o que fez com que mais pessoas tivessem a reforma antecipada. E tudo isto fez com que começasse a haver massa crítica para as universidades seniores.

Foi também nessa altura que começou a olhar-se para o envelhecimento de outra forma. Um ponto marcante foram as jornadas do envelhecimento, que Jorge Sampaio promoveu no seu mandato, e que encerraram com as universidades seniores. Isso veio dar uma atenção à RUTIS e às universidades seniores, que antes não existia por parte do Governo e dos meios de comunicação social.

Nessa altura estávamos longe de imaginar que, passados dez anos, teríamos cerca de 300 universidades. Toda esta expansão aconteceu porque temos um modelo muito simples e autossustentável – normalmente os problemas nestes casos são sempre de ordem financeira, mas essa questão aqui não se coloca, porque o modelo tem por base o voluntariado dos professores. Para criar uma universidade sénior é preciso haver por trás uma entidade – e isto distingue-nos dos ingleses, porque em Inglaterra trata-se de grupos informais – que tem de ser uma associação ou uma autarquia, ou seja, uma organização sem fins lucrativos.

Normalmente os espaços são cedidos pela câmara municipal, pelo centro paroquial ou pela junta de freguesia, os professores são voluntários e tudo isto permite que as mensalidades sejam baixas. Deste modo, as universidades seniores chegam a toda a gente. É um projeto universal.

Uma coisa curiosa é que do contacto com outros países percebemos que o que falha lá fora é a questão do voluntariado. Quando tentamos exportar este modelo, nomeadamente em países da Europa, é no voluntariado que encontramos uma barreira. Neste momento estamos muito direcionados para o Brasil, porque eles têm essa capacidade de voluntariado. Os brasileiros estavam orientados para o modelo francês, com departamentos para seniores dentro das universidades, mas estão a começar a adotar o nosso conceito. A RUTIS já tem lá cinco universidades.

Qual é o perfil dos alunos das universidades seniores?

Eu costumo dizer que os alunos das universidades seniores são heróis, porque são pessoas que combateram o sofá e a televisão e tiveram a coragem de sair de casa. A nível nacional, temos hoje 45 mil alunos e 65% deles são mulheres. Em todo o mundo há uma tendência predominantemente feminina nas universidades seniores. Sociologicamente, os homens lidam pior com a reforma porque, nesta geração, foram habituados a trabalhar para sustentar a casa.

Quando se reformam e lhes é retirado esse papel, eles perdem-se. Já as mulheres sempre foram donas de casa, mães e trabalhadoras, entre muitas outras coisas, por isso quando ficam sem trabalho o choque é menor.

De resto, é um público muito heterogéneo. As idades começam nos 50 anos e a nossa aluna mais velha tem 102, mas a maioria está entre os 62 e os 75. São alunos de todos os níveis económicos e de todos os níveis de escolaridade. O local é determinante a nível de habilitações, por exemplo, mas na maioria das universidades encontramos, realmente, de tudo.

Qual a proposta das universidades seniores para estas pessoas?

Para as pessoas que sempre tiveram uma vida ativa, a universidade sénior é uma continuação. Para aqueles que nunca tiveram a oportunidade de fazer algumas coisas como viajar, por exemplo, a universidade é todo um mundo novo. É viajar, é aprender a pintar, é mexer em computadores… Estes dois grandes grupos de pessoas encontram-se na universidade. Há muitas pessoas que nunca pensaram, aos 70 anos, vir a fazer determinadas coisas. Há estudos académicos que nos dizem a influência que isto tem nas pessoas. São, essencialmente, pessoas mais felizes. A média de depressão nos idosos em Portugal ronda os 30 ou 40%. Nas universidades seniores é de menos de 5%. Outro número interessante: os nossos alunos consomem 20% menos medicamentos, nomeadamente antidepressivos e ansiolíticos.

A universidade proporciona a estas pessoas uma coisa importantíssima, que é um objetivo para sair de casa. Às vezes basta haver uma aula a meio da tarde, para que todo o dia seja organizado em função disso. É, além disso, um meio de conviver com outras pessoas. Os nossos estudos indicam que a rede social dos nossos alunos aumenta sete vezes. Por fim, a universidade permite às pessoas estarem a fazer uma coisa de que gostam e que ocupa o seu tempo. Como consequência, aumenta a saúde física, mental e comportamental.

Existe a ideia de que os 50 são os novos 40. Isto confirma-se realmente? Sentem que existe um certo rejuvenescimento da população?

A esperança média de vida aumentou. Antigamente, uma pessoa com 60 anos estava quase acabada. Hoje, está a “começar”. Isto tem a ver com questões de alimentação, de saúde, de disponibilidade de medicamentos… Tudo isto faz com que as pessoas cheguem aos 75 anos com uma razoável qualidade de vida. Quando se faz inquéritos a jovens sobre a velhice, a grande maioria não tem medo da idade. Tem medo da dependência. No entanto, segundo as estatísticas, apenas 20% da população idosa vai precisar, no futuro, de cuidados médicos profundos no fim da vida. Isto quer dizer que a maioria vai morrer num espaço curto de tempo. Ou são mortes fulminantes, ou morrem em seis meses. Aquela ideia de que a velhice é a sofrer, num lar, é apenas para 20% da população.

Todos os outros ainda têm muitos anos pela frente, e aqueles que tiveram uma vida ativa vão ter também uma reforma ativa. O que é preciso é que comecem cedo a preparar-se para isso.

Como é que uma pessoa se prepara para o momento em que deixa de trabalhar e torna-se público-alvo para uma universidade sénior?

É realmente importante que a pessoa consiga fazer essa transição. O ideal é começar a preparar este período dois anos antes, mas às vezes a reforma chega de um dia para o outro, e pode ser muito mais complicado. Quando a pessoa tem esse tempo de preparação, pode pensar no que quer fazer. Há pessoas que entram para a universidade sénior ainda antes de se reformarem, fazendo essa transição de uma forma natural. É muito importante as pessoas terem a consciência de que estão reformadas, mas não estão paradas.

Há pessoas que não conseguem fazer esta preparação. Deixam para “quando chegarem lá”. Nós tivemos um projeto muito interessante no Banco de Portugal, que foi dar cursos de pré-reforma às pessoas que estavam a sair. A maior parte dizia que na reforma iria ler, descansar, estar o dia todo a ver filmes, etc. Esta é a fase de “lua-de-mel” da reforma, que dura de seis meses a um ano. No final da formação que demos, a perspetiva era completamente diferente. As pessoas ficaram conscientes de que é realmente importante prepararem- -se e de que existem inúmeras coisas que podem fazer, nomeadamente na área do voluntariado.

Também há diferenças entre envelhecer no campo e na cidade. Para alguns pode parecer mais atrativo estar no campo, mas a verdade é que estas pessoas têm muito menos acesso aos serviços públicos. Por outro lado, na cidade, as pessoas têm menos redes sociais e menos coisas que as ocupem.

As universidades seniores têm 45 mil alunos, mas isto é uma parte ínfima da população idosa em Portugal. O que é necessário para fazer chegar essa mensagem a mais gente?

Neste momento, funciona por procura própria da informação. Já não é uma questão de divulgação, porque o projeto é amplamente conhecido. Agora, era preciso que as universidades fossem multiplicadas por dez. Não necessariamente universidades, mas projetos iguais. Têm de ser desenvolvidos projetos de ocupação dos tempos livres de uma forma útil.

Mas atenção: haverá sempre pessoas que não vão fazer nada. Estar sentado num banco do jardim pode não ser o melhor para elas, mas é um direito que lhes assiste. É muito difícil chegar a estas pessoas, porque consideram que, se trabalharam uma vida inteira, este é o momento de não fazerem nada. É uma opção. O problema é que passados poucos anos surgem as consequências desta opção.

Voltando às universidades seniores, enquanto conceito, elas irão atingir o seu auge daqui a cerca de cinco anos. O que é preciso é criar projetos complementares às universidades que tenham por foco o combate à solidão e que tentem dar algum sentido de vida às pessoas.

Quais as competências que se esperam dos professores das universidades seniores?

Nenhumas. Nós temos seis mil professores voluntários de todas as idades, mas 30% deles têm menos de 40 anos. Isto é uma novidade, visto que, há dez anos, muitos dos professores eram alunos. As idades têm vindo a diminuir. Para ser professor de uma universidade sénior é preciso ter espírito de voluntariado, disponibilidade de uma ou duas horas por semana e saber minimamente do que se está a falar. Estamos neste momento a preparar um curso online para este público, mas basicamente os requisitos são estes. Não há uma grande exigência em termos de habilitações, porque as universidades seniores são espaços de partilha. Não se trata de aulas convencionais e o papel do professor não é tanto o de ensinar, mas sim de orientar.

Segundo um inquérito que fizemos, 95% dos professores voluntários sentem-se muito satisfeitos com o que fazem. Cria-se uma relação humana com os alunos, o que também faz com que as pessoas não sintam vontade de abandonar o projeto. Tanto assim é que a média de permanência dos nossos professores é de quatro anos. Quando estas pessoas chegam à idade indicada, passam também a ser alunos.

Como está a ser internacionalizado o projeto das universidades seniores?

Nós fizemos parte de vários projetos europeus e já temos universidades desde o Azerbaijão até Lisboa. Mas na Europa, alguns pontos têm falhado, porque o voluntariado não é uma questão fácil de resolver em todos os países. No Brasil os contactos têm sido mais fáceis e a implementação deste modelo de voluntariado também. No ano passado a RUTIS criou a Rede Mundial de Projetos Educativos para Seniores ,precisamente para englobar a componente internacional. Esta rede é liderada por Portugal, Espanha, Eslováquia e Brasil e tem por objetivo expandir o conceito a nível internacional. Nas comunidades portuguesas, nomeadamente na África do Sul e no Canadá, também já existem universidades seniores criadas por emigrantes. Este é um mercado que queremos começar a explorar, porque os portugueses que emigraram nos anos 60 e 70 estão hoje na idade de frequentar estas universidades e, segundo os nossos dados, 50% deles não irão voltar a Portugal.

De que forma as universidades integram estas pessoas nas novas tecnologias?

80% dos alunos já tiveram aulas de informática na universidade. No início, criámos salas de informática para esse efeito. Foram criadas mais de 100 salas de informática com o apoio da Fundação PT. Depois chegámos à conclusão de que já não era preciso, porque eles levavam os seus próprios computadores. Agora já nem sequer são precisos, porque eles fazem tudo com os smartphones. Os conteúdos programáticos também mudaram. No início eles queiram aprender a trabalhar com o Word, o Excel e o Powerpoint. Hoje querem internet e redes sociais. Segundo os nossos dados, 95% dos nossos alunos têm smartphone.

Como estamos a evoluir em termos de envelhecimento ativo?

As coisas têm vindo a melhorar bastante. Os seniores de hoje são mais ricos, mais saudáveis e mais felizes do que eram há vinte anos. E esta é uma tendência que vai continuar. Mas será que vamos ter tudo o que as pessoas querem? Claro que não. A nível de respostas sociais tradicionais, como lar, apoio domiciliário e centros de dia, nós estamos na média europeia. A questão é que ter vaga num lar em Lisboa é bastante mais complicado do que tê-la num lar em Castelo Branco, por exemplo. Os preços também diferem bastante. Por isso, já assistimos a uma migração de pessoas nestas respostas tradicionais. Se as pessoas não conseguem um lar em Lisboa, deslocam-se para o interior. Uma outra questão é que o facto das pessoas viverem mais tempo cria uma maior pressão no sistema da Segurança Social e de Saúde. Saber que podemos chegar aos 80 anos é uma oportunidade, mas também cria novos desafios.

 

 

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