Maria Augusta é uma destas utentes do Projeto Memorizar e tinha cerca de 64 anos quando percebeu que estava a perder habilidades que interferiam com o seu dia-a-dia.
A memória desta empregada de limpeza do concelho de Vagos “já não era a mesma”, esquecia-se daquilo que estava habituada a fazer com mestria e acabou por recorrer a um neurologista.
O diagnóstico clínico de demência vascular chegou mais tarde, sem grande surpresa, até porque reconheceu alguns sintomas de que padeceu a sua mãe, 40 anos antes.
“Pensei: o que vai ser de mim? Lembrava-me de como foi difícil com a minha mãe, ainda ninguém sabia o que era a demência ou Alzheimer. Depois de entrar para o programa, já não tenho essa pressão e tento viver um dia de cada vez”, contou à agência Lusa.
Maria Augusta entrou para o Programa Memorizar há cerca de seis anos e é uma equipa multidisciplinar que a ajuda, uma vez por semana, a promover a manutenção das funções cognitivas e motoras.
É em sua casa que uma psicóloga e uma terapeuta ocupacional lhe ensinam algumas habilidades para colmatar as que foi perdendo e que a faziam esquecer-se do tacho ao fogão, quando ia até ao quintal.
Agora, sabe que tem de tomar os medicamentos quando o alerta do telemóvel toca e quando vai ao quintal escreve numa folha de papel o que vai buscar.
Este projeto de proximidade leva ainda a sua casa, pelo menos duas vezes por ano, um neurologista e uma assistente social, sempre que se justifique.
Para além de potenciar a autonomia e independência no desempenho das atividades de vida diária da pessoa com demência, este projeto contribui também para o bem-estar dos cuidadores informais, com sessões de três em três meses, que visam diminuir a sobrecarga associada ao ato de cuidar.
Aos 49 anos, Vitória é cuidadora da sua mãe e diariamente dá por si a olhar para ela e a analisar tudo o que faz.
“Todos os dias é uma aventura, é uma flutuação. Obviamente que quero que continue a fazer tarefas, mas é necessário estar por perto com alguma supervisão”, referiu.
Desde que a sua mãe entrou para o projeto da Santa Casa da Misericórdia de Vagos notou imensas melhorias no humor, mas também na execução de tarefas do dia-a-dia.
“Fica mais ativa no dia em que as técnicas vêm a casa e no dia seguinte: nota-se o entusiasmo. Mas a nossa preocupação é diária e preocupa-me muito o futuro”.
Filipa Domingues é a psicóloga deste projeto, financiado em 40% pela Câmara de Vagos e com comparticipação simbólica por parte dos beneficiários.
“A grande vantagem deste projeto está em ir a casa das pessoas, em ir a um espaço que a pessoa portadora de demência conhece bem e onde aceita melhor o tratamento”, apontou.
Segundo a psicóloga, alterações da personalidade e comportamento, agitação e agressividade, fazem parte da evolução desta doença, que traz muito sofrimento.
“Sofre quem percebe que está a perder qualidades e os que estão à sua volta. Às vezes, percebem que já não é o seu pai ou mãe que está ali, apenas o seu corpo e é um luto doloroso que se faz por uma pessoa em vida”, concretizou.
Já a coordenadora do projeto, Sónia Ribeiro, alertou para o facto de esta poder vir a ser a doença do século.
“As pessoas não estão suficientemente alerta para esta realidade. Em Portugal temos, no máximo, meia dúzia de projetos idênticos a este, mas o ideal é que houvesse em todos os concelhos do país”, defendeu.
De acordo com a assistente social, este projeto permite que pessoas com demência possam ficar mais tempo nas suas casas sem serem institucionalizadas e não recorram com tanta frequência ao Serviço Nacional de Saúde.
“Em Portugal temos um ministério para a juventude e, sendo um país tão envelhecido, porque não foi criado um ministério para a terceira idade?”, concluiu.
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Lusa/fim