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Opinião: «Retinopatia diabética: a epidemia global do Século XXI», Marco Dutra Medeiros, oftalmologista

Artigo de opinião de Marco Dutra Medeiros, oftalmologista do Instituto Português de Retina

15 Novembro 2024
Marco Dutra Medeiros, oftalmologista do Instituto Português de Retina

A Diabetes Mellitus (DM) é a epidemia global do século XXI. Atinge mais de 382 milhões de pessoas em todo o mundo, o que corresponde a 8,3% da população mundial. Em aproximadamente 47% destas pessoas (179 milhões), a diabetes não foi ainda diagnosticada, prosseguindo a sua evolução de forma silenciosa. Estima-se que em 2035, o número de pessoas com diabetes, a nível mundial, atinja os 592 milhões, o que representa um aumento de 55% em relação à população atualmente atingida pela doença, sendo este aumento desproporcionalmente maior nos países em desenvolvimento (69% nos países em desenvolvimento versus 20% nos países desenvolvidos).

De acordo com o Observatório Nacional da Diabetes, a prevalência estimada da Diabetes Mellitus, em pessoas com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos (7,7 milhões de indivíduos) é de 13,1%, o que corresponde a mais de 1 milhão de portugueses neste grupo etário (2014). Destes, cerca de 400 mil não estão diagnosticados. Torna-se imperativo que estas pessoas sejam identificadas através de programas de diagnóstico precoce da DM, com o intuito de se reduzir de forma significativa a incidência de complicações graves e os custos económicos associados. A Retinopatia Diabética (RD) é uma complicação major da DM, constituindo uma das principais causas de deficiência visual e cegueira. Estima-se que os diabéticos tenham uma probabilidade de cegar 25 vezes superior à da população em geral. A RD é a principal causa de cegueira evitável na população ativa (causa mais frequente de cegueira entre os 20 e os 64 anos, nos países desenvolvidos). A perda de visão por RD diminui significativamente com a deteção precoce e a intervenção imediata.

No entanto as complicações associadas à RD, incluindo a cegueira, continuam a ter um perfil epidémico, em todo o mundo. Esta patologia evolui quase sempre sem sintomas visuais, que podem surgir apenas em fases muito avançadas da doença. Apesar dos inúmeros esforços para sensibilizar as pessoas com DM quanto à necessidade de exames regulares, um número significativo de doentes continua sem uma assistência oftalmológica adequada. Identificar os doentes de risco, permitindo-lhes que sejam submetidos a intervenções terapêuticas, de forma atempada, representa o desafio mais importante para todos os profissionais de saúde envolvidos.

Do ponto de vista de Saúde Pública, o rastreio da RD é uma das intervenções em saúde com melhor índice de custo-efetividade. O racional para a implementação de um programa de rastreio efetivo advém do conhecimento da eficácia do tratamento por fotocoagulação laser (light amplification by stimulated emission of radiation ) na prevenção da progressão da RD. O efeito benéfico do laser foi amplamente demonstrado no estudo Early Treatment Diabetic Retinopathy Study (ETRDS), para as formas de RDP e para o EMD. Atualmente, em função da existência de novas armas terapêuticas, nomeadamente os fármacos anti-VEGF e os corticoides, podemos otimizar os resultados finais com uma terapêutica combinada. Nos países nórdicos e no Reino Unido, a implementação de rastreios oftalmológicos regulares na década de 80 deu origem uma redução significativa da incidência da RDP e da perda visual associada, nas pessoas com DM.

O edema macular diabético (EMD), uma das complicações major da RD, é responsável pela maioria dos casos de RD com perda visual associada. Em função da ausência de dados no contexto português, procedemos à realização de um estudo epidemiológico prospetivo, que pretendeu aferir a prevalência, incidência e progressão da RD em pessoas com DM tipo 2, com base na análise do programa de rastreio implementado na região de Lisboa e Vale do Tejo e coordenado pela Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP). Este programa de rastreio específico foi denominado de RETINODIAB. O grupo RETINODIAB procedeu à avaliação da prevalência da RD em todos os doentes com DM tipo 2 e estudou a associação entre os fatores de risco e o aparecimento da RD aquando do primeiro exame realizado, entre Julho de 2009 e Outubro de 2014. Ao longo desse período, realizaram-se um total de 103 102 retinografias classificáveis que por sua vez corresponderam a 52 739 pessoas que participaram no programa RETINODIAB. Globalmente, a RD foi detetada em 8 584 doentes (16,3%). Destes doentes, 5 484 (10,4%) tiveram Retinopatia Diabética Não Proliferativa (RDNP) ligeira, 1 457 (2,8%) tiveram RDNP moderada e 672 (1,3%) foram diagnosticados com RDNP grave.

Finalmente, 971 doentes (1,8%) tiveram RD proliferativa (RDP), exigindo referenciação urgente para uma consulta da especialidade. Setecentos e trinta e dois doentes (1.4%) foram classificados com EMD. Estimou-se também a taxa de incidência e progressão da RD numa coorte prospetiva de base populacional, de pessoas com DM tipo 2 e com 5 anos de seguimento (Julho/2009 a Dezembro/2014). Foram realizadas 109 543 retinografias classificáveis e que corresponderam a 56 903 doentes. Um total de 30 641 pessoas (53,85%) foram submetidas a, pelo menos mais do que um episódio de rastreio, durante o período de estudo, e foram incluídos na análise de progressão da RD. A incidência anual de qualquer RD em doentes sem retinopatia, no início do estudo, foi de 4,60%, no primeiro ano, diminuindo para 3,87%, no quinto ano; a incidência cumulativa em 5 anos foi de 14,47%. Nos participantes com RDNP ligeira, no início do estudo, a taxa de progressão para RDR, no primeiro ano, foi de 1,18%; a incidência cumulativa em 5 anos foi de 4,59%. Esta doença apresenta diversos desafios para os Sistemas de Saúde. Desde logo a magnitude do problema ainda não é totalmente conhecida na medida em que é complexo, oneroso e moroso apurar dados reais de prevalência e de incidência. Os principais desafios inerentes a esta condição clínica prendem-se com a prestação de cuidados de saúde eficientes, atempados e sustentáveis. Para tal devem ser desenvolvidas estratégias de deteção precoce e implementados mecanismos de controlo da doença. A aferição dos custos diretos, aliada ao efetivo conhecimento epidemiológico possibilita a identificação de lacunas na gestão clínica da doença e dos componentes de custo com maior impacto. Dever-se-ão estabelecer prioridades de intervenção e de monitorização, tendo em vista o desenvolvimento de programas de saúde pública eficientes e incisivos, a médio e longo prazo. A nível nacional, estas medidas encontram-se implementadas através do Rastreio e Diagnóstico Sistemático da Retinopatia Diabética, de acordo com a Circular Normativa nº 006/2011 de 27/01/2011 da DGS.

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