A Diabetes Mellitus (DM) é a epidemia global do século XXI. Atinge mais de 382 milhões de pessoas em todo o mundo, o que corresponde a 8,3% da população mundial. Em aproximadamente 47% destas pessoas (179 milhões), a diabetes não foi ainda diagnosticada, prosseguindo a sua evolução de forma silenciosa. Estima-se que em 2035, o número de pessoas com diabetes, a nível mundial, atinja os 592 milhões, o que representa um aumento de 55% em relação à população atualmente atingida pela doença, sendo este aumento desproporcionalmente maior nos países em desenvolvimento (69% nos países em desenvolvimento versus 20% nos países desenvolvidos).
De acordo com o Observatório Nacional da Diabetes, a prevalência estimada da Diabetes Mellitus, em pessoas com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos (7,7 milhões de indivíduos) é de 13,1%, o que corresponde a mais de 1 milhão de portugueses neste grupo etário (2014). Destes, cerca de 400 mil não estão diagnosticados. Torna-se imperativo que estas pessoas sejam identificadas através de programas de diagnóstico precoce da DM, com o intuito de se reduzir de forma significativa a incidência de complicações graves e os custos económicos associados. A Retinopatia Diabética (RD) é uma complicação major da DM, constituindo uma das principais causas de deficiência visual e cegueira. Estima-se que os diabéticos tenham uma probabilidade de cegar 25 vezes superior à da população em geral. A RD é a principal causa de cegueira evitável na população ativa (causa mais frequente de cegueira entre os 20 e os 64 anos, nos países desenvolvidos). A perda de visão por RD diminui significativamente com a deteção precoce e a intervenção imediata.
No entanto as complicações associadas à RD, incluindo a cegueira, continuam a ter um perfil epidémico, em todo o mundo. Esta patologia evolui quase sempre sem sintomas visuais, que podem surgir apenas em fases muito avançadas da doença. Apesar dos inúmeros esforços para sensibilizar as pessoas com DM quanto à necessidade de exames regulares, um número significativo de doentes continua sem uma assistência oftalmológica adequada. Identificar os doentes de risco, permitindo-lhes que sejam submetidos a intervenções terapêuticas, de forma atempada, representa o desafio mais importante para todos os profissionais de saúde envolvidos.
Do ponto de vista de Saúde Pública, o rastreio da RD é uma das intervenções em saúde com melhor índice de custo-efetividade. O racional para a implementação de um programa de rastreio efetivo advém do conhecimento da eficácia do tratamento por fotocoagulação laser (light amplification by stimulated emission of radiation ) na prevenção da progressão da RD. O efeito benéfico do laser foi amplamente demonstrado no estudo Early Treatment Diabetic Retinopathy Study (ETRDS), para as formas de RDP e para o EMD. Atualmente, em função da existência de novas armas terapêuticas, nomeadamente os fármacos anti-VEGF e os corticoides, podemos otimizar os resultados finais com uma terapêutica combinada. Nos países nórdicos e no Reino Unido, a implementação de rastreios oftalmológicos regulares na década de 80 deu origem uma redução significativa da incidência da RDP e da perda visual associada, nas pessoas com DM.
O edema macular diabético (EMD), uma das complicações major da RD, é responsável pela maioria dos casos de RD com perda visual associada. Em função da ausência de dados no contexto português, procedemos à realização de um estudo epidemiológico prospetivo, que pretendeu aferir a prevalência, incidência e progressão da RD em pessoas com DM tipo 2, com base na análise do programa de rastreio implementado na região de Lisboa e Vale do Tejo e coordenado pela Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP). Este programa de rastreio específico foi denominado de RETINODIAB. O grupo RETINODIAB procedeu à avaliação da prevalência da RD em todos os doentes com DM tipo 2 e estudou a associação entre os fatores de risco e o aparecimento da RD aquando do primeiro exame realizado, entre Julho de 2009 e Outubro de 2014. Ao longo desse período, realizaram-se um total de 103 102 retinografias classificáveis que por sua vez corresponderam a 52 739 pessoas que participaram no programa RETINODIAB. Globalmente, a RD foi detetada em 8 584 doentes (16,3%). Destes doentes, 5 484 (10,4%) tiveram Retinopatia Diabética Não Proliferativa (RDNP) ligeira, 1 457 (2,8%) tiveram RDNP moderada e 672 (1,3%) foram diagnosticados com RDNP grave.
Finalmente, 971 doentes (1,8%) tiveram RD proliferativa (RDP), exigindo referenciação urgente para uma consulta da especialidade. Setecentos e trinta e dois doentes (1.4%) foram classificados com EMD. Estimou-se também a taxa de incidência e progressão da RD numa coorte prospetiva de base populacional, de pessoas com DM tipo 2 e com 5 anos de seguimento (Julho/2009 a Dezembro/2014). Foram realizadas 109 543 retinografias classificáveis e que corresponderam a 56 903 doentes. Um total de 30 641 pessoas (53,85%) foram submetidas a, pelo menos mais do que um episódio de rastreio, durante o período de estudo, e foram incluídos na análise de progressão da RD. A incidência anual de qualquer RD em doentes sem retinopatia, no início do estudo, foi de 4,60%, no primeiro ano, diminuindo para 3,87%, no quinto ano; a incidência cumulativa em 5 anos foi de 14,47%. Nos participantes com RDNP ligeira, no início do estudo, a taxa de progressão para RDR, no primeiro ano, foi de 1,18%; a incidência cumulativa em 5 anos foi de 4,59%. Esta doença apresenta diversos desafios para os Sistemas de Saúde. Desde logo a magnitude do problema ainda não é totalmente conhecida na medida em que é complexo, oneroso e moroso apurar dados reais de prevalência e de incidência. Os principais desafios inerentes a esta condição clínica prendem-se com a prestação de cuidados de saúde eficientes, atempados e sustentáveis. Para tal devem ser desenvolvidas estratégias de deteção precoce e implementados mecanismos de controlo da doença. A aferição dos custos diretos, aliada ao efetivo conhecimento epidemiológico possibilita a identificação de lacunas na gestão clínica da doença e dos componentes de custo com maior impacto. Dever-se-ão estabelecer prioridades de intervenção e de monitorização, tendo em vista o desenvolvimento de programas de saúde pública eficientes e incisivos, a médio e longo prazo. A nível nacional, estas medidas encontram-se implementadas através do Rastreio e Diagnóstico Sistemático da Retinopatia Diabética, de acordo com a Circular Normativa nº 006/2011 de 27/01/2011 da DGS.