Sete anos depois do compromisso assumido por Portugal junto da Organização Mundial de Saúde de erradicar a Hepatite C até 2030 e quando faltam outros sete para a data definida, o nosso país está ainda distante da meta traçada. De acordo com as previsões do Instituto Polaris, só depois de 2050 é que Portugal conseguirá reduzir as novas infeções em 90% e as mortes em 65%. O tema esteve em debate no encontro ‘Targeting 2030’, uma iniciativa da Abbvie, que reuniu algumas dezenas de especialistas em Lisboa.
Sobre a questão se “podemos conseguir alcançar a meta de 2030?”, Presa Ramos, presidente da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado e diretor do serviço de Hepatologia do Hospital de Vila Real, responde com um otimismo partilhado por vários especialistas, mas condicionado pela eliminação de várias barreiras. “Creio que podemos conseguir, se houver vontade. Mas para isso é preciso eliminar barreiras, como a ausência de uma estratégia nacional de rastreio, a referenciação subótima das populações mais vulneráveis ou a aceleração da dispensa de fármacos”, explicou, alertando para a redução do número de tratamentos por força da pandemia.
Isabel Pedroto, diretora do serviço de Gastroenterologia do Centro Hospitalar e Universitário de Santo António, considera que a pandemia, embora tenha sido uma ameaça que afetou os resultados de algumas iniciativas e atrasou o progresso, “pode ser também uma oportunidade, porque chamou a atenção das pessoas para o risco das doenças infeciosas. E as oportunidades estão limitadas no tempo. É preciso falar da Hepatite C porque “constatamos uma enorme desatenção em relação à doença”, alertou.
Ouvidos na reunião ‘Targeting 2030’ foram também representantes de associações que, no terreno, lidam de perto com os doentes e com uma população onde a doença pode e tem vindo a conquistar espaço. Elsa Belo, Diretora Técnica da Associação Ares do Pinhal, organização não-governamental (ONG) que dá apoio a utilizadores de drogas injetáveis e pessoas em situação de vulnerabilidade, aproveitou para salientar a importância das ONG, que “estão com os doentes e com aqueles que não se mobilizam facilmente e também não se sentem capacitados e nem à vontade para frequentar os centros de saúde e hospitais”. E chama a atenção para uma realidade, pós-pandemia, que preocupa cada vez mais: “a pandemia trouxe mais pobreza e mais desemprego e os primeiros a perder tudo são os mais vulneráveis, os utilizadores de drogas injetáveis, que resvalam para a recaída. Ou seja, as pessoas estão novamente a injetar. E além das recaídas, temos ainda a situação mundial, com os migrantes. Este mês, dos cerca de 30 casos de hepatite C que conseguimos rastrear, 40% eram migrantes”.
Ricardo Fernandes, Diretor Executivo do GAT – Grupo de Ativistas em Tratamentos, falou também sobre a questão do acesso aos medicamentos. “Portugal é um país teoricamente sem restrições, mas isso não significa que as pessoas tenham acesso
Sobre a questão do rastreio populacional versus rastrear apenas grupos considerados de risco, foram apresentados e discutidos trabalhos sobre estratégias de rastreio limitadas a pessoas com fatores de risco, que identificaram apenas 75 a 85% dos doentes infetados, deixando 15% a 25% por diagnosticar. Recomendações recentes, nomeadamente nos EUA, já contemplam a testagem de toda a população adulta pelo menos uma vez na vida.
Na reunião houve ainda tempo para a apresentação de vários projetos de micro-eliminação da hepatite C, em populações específicas, e de partilha do exemplo da Madeira, que está a implementar, com sucesso, um rastreio a toda a população.