“Entelechy”, primeira retrospetiva da dupla de artistas porto-riquenhos Allora & Calzadilla em Portugal, em Serralves, no Porto, é uma exposição especial e audaz, segundo a sua curadora, ao congregar performances, música, filmes e instalações, avança a Lusa.
Uma mulher jovem de vestido às flores e botas pretas está sentada em cima de um hipopótamo acastanhado de tamanho real a ler um jornal. A mulher vai apertando com os lábios um assobio como que a avisar a população que é ali, bem no meio do átrio do museu de Serralves que a “audaz” e “especial exposição “Entelechy” (conceito de entelequia que remonta a Aristóteles) vai arrancar.
“É uma exposição diria audaz. É uma exposição que foi pensada criteriosamente com os artistas [Allora e Calzadilla]. Estivémos muito tempo a discutir cada sala [do Museu de Arte Contemporânea de Serralves], as obras que achávamos que eram fundamentais trazer para o contexto em Portugal e, sobretudo também, que as pessoas percebessem a prática dos artistas e desta relação com a música (…). A exposição é mesmo muito cuidadosa, muito pensada com muita atenção e muito rigor”, explicou à agência Lusa Inês Grosso, curadora da exposição.
Ativar obras ao longo de seis meses com performances “acresce a complexidade” da exposição, acrescenta Inês Grosso, destacando a obra “Entelechy”, que dá nome à mostra, uma “escultura monumental em carvão” moldada a partir de uma “árvore derrubada por um raio”, que remete para o tipo de árvore petrificada que pode ser encontrada em depósitos de carvão, fontes potenciais de energia.
Os artistas porto-riquenhos usaram uma espécie de pinheiro encontrado na floresta de Montignac (França), onde em 1940, em plena II Guerra Mundial, um grupo de adolescentes descobriu a famosa gruta de Lascaux ao seguir o “caminho das raízes arrancadas de uma árvore semelhante”, desvendando uma centena de desenhos pré-históricos.
É em cima desta escultura monumental moldada em carvão, que vários artistas se sentam imitando vários sons da natureza e de animais. Cantos de pássaros, vento a assobiar, lutas entre mamíferos, tudo é possível imaginar ao ver esta obra ativada com performance e música.
Nesta exibição, as obras traçam intersecções entre a história, ecologia, intervenção política, cultural material, com recurso à performance, escultura, som, vídeo e fotografia, como se pode ver numa outra sala da ala esquerda do museu, em que está um piano ao lado de uma manto de flores cor-de-rosa pintadas à mão, inspiradas numa espécie floral que existe nas Caraíbas.
“Stop, Repair, Prepare : Variações do hino à alegria para piano” é a performance de 22 minutos que o diretor musical Luca Ieracitano vai interpretar de forma muito especial, pois ele vai tocar a peça a partir do interior do piano: o piano vai sendo empurrado, em cima de rodas, pela sala adentro, enquanto a música é tocada pelo pianista, em pé a ativar as teclas a partir do interior do instrumento, não do teclado.
Em conferência de imprensa, Inês Grosso revela que há uma série de obras que fazem parte desta exposição que nunca foram vistas na Europa.
“É a primeira grande exposição dos artistas. A primeira retrospetiva. É uma exposição que mostra mais de 20 anos do percurso. Eles trabalham juntos desde 1995 e nós procurámos trazer algumas obras que são icónicas, obras sobretudo com foco nas esculturas performativas, e obras que têm sido mostradas em diferentes contextos […], seja o ‘Hope Hipo’ [2005], ‘Loss’ [2017], ‘Penumbra’ [2020] ou ‘Graft’ [2019]”, algumas delas “que nunca foram vistas sequer na Europa”.
A exposição vai ficar patente em Serralves até 29 de outubro deste ano, e tem a curadoria de Philippe Vergne, diretor do museu, Inês Grosso, curadora principal do museu, com a coordenação de Paula Fernandes, curadora, contanto com o apoio de Charles Kim e Gwen Weil e Fundação La Caixa.