«É encarregado ou encarregue?»
Estas é daquelas perguntas difíceis, traiçoeiras, que decerto apanhará muitos de nós em falso! À primeira vista, diríamos que uma destas opções soa — como particípio passado — melhor do que a outra e, talvez, aquela que mais ‘canta’ aos vossos ouvidos até seja encarregue. Pois bem: não ouçam esse canto peçonhento.
Como particípio passado, encarregue não existe!
Contudo, percebemos bem a tendência para achar que esta é a forma correcta do verbo. Afinal, por analogia com, por exemplo, o particípio passado irregular «entregue» – do verbo «entregar» –, é normal que assumamos que a lógica seria a mesma com o verbo «encarregar».
Mas não, meus caros. A língua é mesmo tramada e está sempre a trocar-nos as voltas. O verbo «encarregar» e o verbo «entregar» são dois verbos bem diferentes e os seus particípios passados também evoluíram, segundo reza a história da língua, de forma diferente.
O verbo «encarregar» forma-se a partir do verbo «carregar». Ora, nem o verbo «carregar» nem os seus ‘primos’ «descarregar». e «encarregar» têm um particípio passado irregular. Têm, sim (e apenas!), o particípio passado regular: carregado, descarregado, encarregado.
Encarregado — que significa «incumbir a alguém de uma atividade», «dar encargo a alguém» — é, pois, a forma correcta do particípio passado do verbo «encarregar».
Assim, deve dizer-se:
1) Fui encarregada de uma tarefa hercúlea: desinfectar uma mansão.
2) O polícia foi encarregado de seguir o suspeito.
3) Vós fostes encarregados de não apunhalar a língua!
4) Nós fomos encarregados de salvar o cão daquele incêndio.
Claro que tal não invalida que para outros verbos não haja dois particípios passados: um regular e outro irregular. Sendo que, neste casos, (já sabemos mas lembramos rapidamente) o regular usa-se com os verbos auxiliares «ter» ou «haver» e o irregular é utilizado com o auxiliar «ser» (voz passiva) e com o verbo «estar».
Mas, voltando ao nosso verbo, atenção às seguintes frases que também estão correctas:
5) Que eu encarregue a Albertina das tarefas domésticas é cá comigo. Eu sou a sua mãe!
6) Embora ela me encarregue dos trabalhos de casa mais aborrecidos, é uma excelente professora.
Ou seja, nas primeiras quatro frases temos o particípio passado do verbo «encarregar» e nas frases 5) e 6) temos o presente do conjuntivo desse mesmo verbo — e aqui sim «encarregue» é a forma correcta da primeira e da terceira pessoas do singular deste tempo e modo.
Portanto, o presente do conjuntivo de «encarregar» deve conjugar-se assim:
eu encarregue
tu encarregues
ela/ele/você encarregue
nós encarreguemos
vós encarregueis
elas/eles/vocês encarreguem
Resumindo:
- o particípio passado do verbo «encarregar» é encarregado/encarregada(/s);
- a única forma em que se usa encarregue é no presente do conjuntivo deste verbo;
Ufa!
Digam-nos que perceberam!
Elsa Alves
(texto escrito de acordo com a antiga ortografia)
A Escrivaninha é uma equipa de freelancers que se dedicam à revisão, edição, tradução e produção de texto, criada por quem conhece e reconhece a beleza mas também os ardis da língua portuguesa. Conheça melhor os nossos serviços aqui.