No âmbito do Dia Mundial da Saúde Mental que se assinala a 10 de outubro, é lançada a campanha de sensibilização #UnidosContraOEstigma que visa reduzir o estigma e chamar a atenção para o preconceito, ainda, existente em relação à saúde mental. Embora, as patologias no âmbito da saúde mental sejam cada vez mais comuns em todo o mundo, a discriminação social continua a ser uma realidade para quem sofre de doenças psiquiátricas.
A campanha ibérica, promovida em Portugal pela Lundbeck teve como ponto de partida um estudo sobre o estigma das perturbações mentais através da Inteligência Artificial (IA) cujos resultados revelaram um verdadeiro preconceito na geração de imagens de pessoas que sofrem de perturbação mental. Se tivermos em consideração o caso da depressão, verificamos que esta patologia é associada a uma pessoa apática, triste, incapaz de aproveitar o dia a dia, ao passo que no caso da esquizofrenia, a mesma é representada por pessoas transtornadas e, por vezes, descontroladas. O estudo revela, desta forma, que a IA e as imagens associadas a estas patologias são resultado do estigma que persiste na nossa sociedade e que é também refletido na tecnologia.
Estigma e exclusão social
O espelho social em que se vê a pessoa que sofre de perturbação mental é, muitas vezes, mais difícil que a própria doença. Trata-se do autoestigma, que ocorre quando as pessoas que têm perturbação mental assimilam os estereótipos que lhes são socialmente atribuídos, os assumem como próprios e os atribuem a si mesmas.
João Bessa, médico psiquiatra e presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM), refere que o estigma ainda é um impedimento para quem precisa de recorrer à ajuda de um profissional de saúde: «Acredito que o estigma associado às patologias psiquiátricas continua a ser um importante fator dissuasor da procura de cuidados médicos especializados por profissionais da área da saúde mental. Apesar da maior sensibilidade e atenção atual da sociedade para este tema, é importante reconhecer que persistem globalmente preconceitos e tabus que configuram diferentes formas de estigma que acabam por isolar e discriminar quem vive com uma doença mental.»
Para mudar mentalidades e terminar com o preconceito, sublinha que «a principal arma para combater o estigma é a promoção do acesso à informação sobre saúde mental com medidas de que visem aumentar a literacia da população sobre esta temática, desconstruindo os preconceitos existentes e promovendo a procura de cuidados especializados. Para tal, é essencial promover a consciência social de que as patologias psiquiátricas são doenças que, como outras patologias médicas, estão bem caracterizadas do ponto de vista clínico, têm um substrato orgânico cerebral, são altamente prevalentes e acima de tudo são tratáveis com cuidados médicos especializados.»
Na opinião do presidente da SPPSM, o principal desafio para acabar com os preconceitos adquiridos na sociedade atual «passa pela desconstrução progressiva dos dogmas associados à patologia psiquiátrica, nomeadamente à sua desvalorização, culpabilização e menorização do sofrimento psíquico que ainda persistem na sociedade atual. A promoção da consciência social para esta temática através de campanhas de sensibilização e ações de formação e divulgação pode contribuir de forma ativa para a diminuição do estigma na doença mental, promovendo assim o recurso a cuidados por profissionais de saúde que são essenciais para o seu tratamento.»
Atualmente, segundo a OMS, 12,5% das perturbações de saúde estão relacionadas com a área das perturbações mentais e estima-se que se converterão na principal causa de incapacidade em todo o mundo, em 2030.
O estigma constitui uma barreira relevante aos cuidados e à integração social das pessoas afetadas por doenças mentais. Os preconceitos e estereótipos geram atitudes de rejeição, isolamento e discriminação, o que está intimamente ligado com a exclusão social. Por outro lado, as pessoas com perturbações mentais podem igualmente ver afetada a dinâmica familiar e o convívio entre o círculo de amigos, assim como a própria atividade profissional, dado que a sua condição pode levar ao absentismo e até mesmo à ausência de emprego. A falta de tratamento adequado, a interrupção do mesmo, o diagnóstico incorreto e a ausência de acompanhamento médico contribuem para um maior agravamento da situação clínica do doente e da sua qualidade de vida.
Para Beatriz Lourenço, médica psiquiatra, e vice-presidente da ManifestaMente, associação para a promoção da saúde mental, «este tipo de campanhas de sensibilização e combate ao estigma da doença mental, como esta que agora é apresentada, contribuem para fomentar a discussão, quebrar o tabu, despertar curiosidade e informar as populações sobre estes temas. A saúde mental deve ser encarada como um pilar fundamental de uma sociedade saudável e é uma preocupação que diz respeito a todos nós.»
A médica psiquiatra destaca também que «estas iniciativas podem contribuir para alertar a comunidade e mudar mentalidades, uma vez que existem várias ideias erradas sobre a doença mental, enraizadas na nossa sociedade, que é fundamental contrariar e rebater. O combate ao
estigma da doença mental, assim como a promoção da literacia, permite capacitar a população não só sobre a importância da promoção da saúde mental e dos autocuidados, mas também sobre os sinais de alerta da doença mental e o que fazer quando sentimos que precisamos de ajuda especializada.»
Por outro lado, a vice-presidente da ManifestaMente acredita que a eliminação do estigma pode contribuir para a promoção dos cuidados de saúde dado que, conforme explica, «o estigma social e o autoestigma estão profundamente relacionados com a forma que as pessoas lidam com as suas doenças psiquiátricas, em particular com a procura (ou não) de ajuda especializada. Sabemos que muitas vezes na tentativa de fugir ao “rótulo” da doença psiquiátrica, as pessoas protelam o início do tratamento adequado e também abandonam mais precocemente o mesmo. A mitigação do estigma associado à doença mental pode contribuir para uma intervenção mais precoce, e consequentemente um melhor prognóstico e uma utilização mais racional dos serviços clínicos.»