Uma equipa de investigação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa – Cystic Fibrosis Research Lab do BioISI – está a desenvolver uma abordagem inovadora em medicina personalizada que pode mudar radicalmente o modo de prescrever o tratamento da Fibrose Quística (FQ), especialmente útil para pessoas com mutações raras desta doença.
Através da criação de organoides intestinais – pequenos “mini-intestinos” desenvolvidos em laboratório a partir de células estaminais de biópsias retais – os investigadores conseguem prever, de forma precisa e personalizada, se um determinado medicamento (previamente aprovado para esta doença) terá ou não efeito benéfico especificamente numa pessoa com FQ.
Este trabalho, que já esteve na origem do projeto europeu HIT-CF Europe, permite testar diretamente em laboratório a resposta das células da própria pessoa com FQ a vários medicamentos, sem necessidade de participar em ensaios clínicos. Esta técnica tem sido uma esperança para centenas de pacientes em todo o mundo, muitos deles com mutações genéticas tão raras que não são abrangidos pelas atuais indicações terapêuticas.
“Os organoides funcionam como avatares dos doentes. A partir de uma pequena biópsia, conseguimos simular a resposta do intestino da pessoa com FQ a um medicamento e, assim, prever se esse tratamento poderá ser eficaz”, explicam Margarida Amaral e Ines Pankonien, do Cystic Fibrosis Research Lab da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Este laboratório colabora com os centros de referência de FQ dos Hospitais de Santa Maria e Dona Estefânia, que recolhem as amostras (biópsias) necessárias, tendo para tal obtido aprovação ética.
Até ao momento, no Cystic Fibrosis Research Lab da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, já foram analisadas amostras de mais de 130 indivíduos – maioritariamente portugueses, mas também de pessoas com FQ de países como Alemanha, Brasil, EUA, Ucrânia e Turquia. Vários destas pessoas com FQ viram os seus médicos prescreverem, com sucesso, medicamentos com base nos resultados destes testes laboratoriais, com melhorias significativas da função pulmonar e do estado nutricional.
Além de rápidos (os testes demoram cerca de seis semanas), os ensaios com organoides têm uma taxa de sucesso muito superior a outras abordagens semelhantes, como os testes em células do nariz ou brônquios. Evitam também que pessoas com FQ recebam tratamentos caros sem qualquer benefício clínico.
Estima-se que cerca de 15 a 20% dos doentes com Fibrose Quística na Europa – cerca de 8.000 a 11.000 pessoas – tenham mutações raras que não estão abrangidas nas indicações das terapias existentes. Porém, grande parte destas pessoas pode ter benefício clínico destas terapias, melhorando assim a sua qualidade de vida e também a esperança de vida. Esta investigação, que já é paradigmática para muitas outras doenças, pode representar um salto significativo na equidade no acesso a tratamentos personalizados.
A par deste claro benefício clínico para as pessoas com FQ, o Cystic Fibrosis Research Lab da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, utiliza também estes organoides intestinais em investigação de outras patologias, como o cancro colorretal, que segundo dados recentes, mata (só em Portugal) 12 pessoas diariamente, com 10.500 novos casos por ano.