Uma nova abordagem biotecnológica promete dar um novo destino ao lixo plástico e, ao mesmo tempo, reduzir drasticamente a pegada ambiental da indústria farmacêutica. Uma equipa de bioengenheiros da Universidade de Edimburgo desenvolveu um método que transforma garrafas descartáveis de plástico PET (politereftalato de etileno) no conhecido analgésico paracetamol, recorrendo apenas a uma estirpe de Escherichia coli modificada geneticamente.
A descoberta foi publicada na semana passada na revista Nature Chemistry e mostra como é possível transformar resíduos em medicamentos de forma eficiente, limpa e surpreendentemente rápida.
Plástico, bactérias e paracetamol
Segundo o artigo e os detalhes avançados pela New Atlas, o processo começa com a quebra química do PET, presente em garrafas e embalagens alimentares. Esse plástico tratado é depois fermentado por E. coli alteradas em laboratório, que o decompõem num composto chamado ácido tereftálico.
A seguir, no interior das bactérias, esse ácido sofre uma reação bioquímica conhecida como rearranjo de Lossen, que o transforma em ácido para-aminobenzóico (PABA), um nutriente necessário ao crescimento das próprias E. coli. Por fim, outras vias metabólicas artificiais conduzidas pela mesma bactéria convertem o PABA em paracetamol.
Todo o processo decorre à temperatura ambiente, dura menos de 24 horas e não gera emissões de carbono, o que representa uma enorme vantagem face aos métodos industriais convencionais, que dependem de derivados de petróleo e consomem elevadas quantidades de energia.
Os resultados são promissores: segundo os investigadores, cerca de 90% do produto final era paracetamol puro, o que demonstra uma eficiência surpreendente. O próximo passo será escalar a tecnologia e otimizar o processo para uma futura produção farmacêutica em larga escala.
“Estamos a trazer empresas excecionais como a AstraZeneca para trabalhar com Stephen [Wallace] e outros na Universidade para traduzir estas descobertas de ponta em inovações que mudam o mundo”, afirmou Ian Hatch, chefe de consultoria da Edinburgh Innovations, o braço de inovação da universidade.
O impacto potencial da descoberta vai além da saúde. Ao transformar um dos materiais mais poluentes da actualidade numa substância médica essencial, este método poderá tornar-se um exemplo pioneiro de economia circular bioquímica: resíduos transformados em valor, sem custos para o planeta.