«Bô!» pode ser usado para expressar surpresa, espanto, indignação, azedume, ironia, sarcasmo… bô… e muito mais — e não, não ficamos por aqui em matéria de sentidos!
Porém, não vou escrever um artigo explicando detalhadamente o significado de bô porque (primeiro) não conseguiria e (segundo) ficaria sempre aquém da sua polissemia. Os transmontanos sabem bem do que falo.
O bô tem um quê de inefável, de intraduzível e comporta, claro, uma forte componente regional.
Usa-se nas cidades, vilas e aldeias transmontanas e é uma expressão, por excelência, da oralidade expressiva que tão bem casa com a essência do transmontano.
Por isso, leiamos antes os seguintes diálogos, que ilustram diferentes situações do uso de bô e tentemos captar um pouco da sua essência:
A.
«— Pai, vou dar uma volta com os amigos e levar o Ferrari!
— Bô! Deves levar deves!»
B.
«— Bom dia. Quanto custa este lenço?
— 300€, é Gucci.
— Bô! Era logo eu que dava 300€ por uma coisa que parece um paninho de cozinha.»
C.
«— Mãe, tirei negativa a matemática…
— Bô!? Como é que isso aconteceu? És tão boa aluna…»
D.
«— Dora, sabias que o tio Zé fugiu com a amante para o Canadá?
— Bô, isso já eu sabia há muito tempo, filha.»
E.
«— Bô, tenho de me despachar com o trabalho sobre a obra do Torga, senão não o entrego a tempo.
— Bô, eu já o fiz há 2 semanas!»
F.
«— Estás constipado, Carlos?
— Bô, ando doente há três dias.»
É mais ou menos isto.
Para mais explicações só mesmo indo à minha terra, ao “Trás-os-Montes profundo” de que a comunicação social fala.
E eu, que nunca percebi muito bem o adjectivo ali metido, acho, agora, que até faz sentido. De facto, a semântica do bô não é senão uma confirmação da profundidade transmontana.
Elsa Alves
(texto escrito de acordo com a antiga ortografia)
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