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A pandemia não veste Prada

Num mundo de relações fisicamente mais distantes, a moda precisa reinventar-se e espelhar as transformações da História. Mas como será isso possível?

24 Setembro 2020
Forever Young

Não deixe a moda possui-lo; decida o que é e o que deseja expressar pela maneira como se veste», disse Gianni Versace, referindo-se ao real papel da moda. Num mundo pós-pandemia parece certo que esta frase, finalmente, fará sentido sobre a forma como o mundo está habituado a consumir. Afinal, os novos tempos que se avizinham mostram que tudo terá que ser revisto, desde as relações pessoais e profissionais até à forma como as pessoas olham para as tendências de moda lançadas a cada temporada.

Enquanto os grandes nomes do segmento de luxo, que participam em semanas de moda, insistem em realizar os seus desfiles com público – recentemente Paris anunciou que o evento será realizado presencialmente, e a mesma confirmação veio de Milão –, outros empresários, preocupados com a nova realidade, estão a pensar como vão mudar a forma como fazem e vendem moda. Monica Rosenwzeig, designer de joias que vive em Cascais, com um atelier em Ipanema, no Rio de Janeiro, tem repensado cada pequeno detalhe do seu processo de produção.

[Leia também:  Regras de estilo que deve (mesmo) esquecer depois dos 40]

«Tudo mudou com a minha forma de criar e de pensar como o meu público vai consumir moda. Comecei a questionar, por exemplo, qual é a necessidade de se usar um acessório, um adereço; ou como muitas vezes compramos algo que será usado apenas numa ocasião e depois será posto de lado. A partir de agora, teremos que ressignificar o nosso trabalho por diversas razões. As pessoas vão passar a direcionar as suas compras para o que realmente é necessário, para o que de facto vão usar, para o que lhes passe algum tipo de mensagem, uma simbologia. Eu, por exemplo, passei a consumir apenas o que me traz sensações de aconchego ou proteção. E acho que isso será uma tendência na moda. As pessoas não vão seguir apenas os conceitos que grandes costureiros lançam a cada temporada e que são replicados por milhões de marcas ao redor do mundo. Vão procurar roupas e acessórios que lhes transmitam alguma coisa positiva», comenta.

Monica lembra ainda um detalhe importante que muitos se esquecem e que hoje, mais que nunca, deve ser relembrado: a moda não é apenas feita para vestir pessoas para ocasiões e locais especiais. Existe para dar soluções à sociedade. «Neste momento, em que trabalhamos mais em casa, a criação precisa estar mais voltada para as roupas confortáveis, fáceis de lavar e passar, que visam o conforto e a praticidade do consumidor. Então, de que adiantam montras cheias de peças de moda que não serão vendidas? É preciso que o mercado entenda que a pandemia não é apenas uma fase, é um marco de uma realidade que ninguém sabe como será no futuro. Não sabemos como será o chamado novo normal. Queremos sentir-nos bem, claro, mesmo em casa. E por isso tantas pessoas abandonaram o uso constante de pijamas, que aconteceu no início do isolamento, e agora acordam, vestem-se e assim permanecem dentro de casa. Mas “vestir” não significa que as pessoas vão usar roupas muito sofisticadas para ficar em casa. Significa, sim, que vão procurar peças que tragam a chamada “confort sensation”. E é aí, exatamente, que os designers e estilistas terão que repensar as suas criações. O que quer, afinal, este novo consumidor que está em casa, mas quer sentir-se bem? E mesmo depois disso. Sair de casa após meses a observar um armário cheio e inútil vai deixar claro que não precisamos de muito, mas sim de praticidade e conforto.»

As novas coleções de Monica Rosenwzeig trarão um misto de simbologias ligadas à proteção; a possibilidade de customização com poucas peças que se misturem e se transformem noutras; e o aconchego, com desenhos e formas que remetam àquela joia de família com memórias embutidas. «Com a pandemia, passei a dar mais valor às coisas que passavam despercebidas no meu dia a dia, que me eram comuns, como um abraço ou simples aperto de mão. Parece piegas dizer isto, mas a verdade é que muitos passaram a entender a importância de pequenos gestos que eram vistos como rotineiros. E isso fez-me questionar o que é realmente importante na vida. Comecei a pensar, então, em peças que pudessem ter alguma mensagem de amor, de amizade, de eternidade», complementa a designer.

Além da questão estética de cada coleção, muitas pessoas também se interrogam sobre como as marcas vão tentar garantir que as peças cheguem “protegidas”. No seu atelier, Monica já reviu toda a cadeia de produção e entrega e, desde abril, só envia os acessórios após passarem por um processo bastante consistente de higienização. Os produtos são lavados em banhos especiais para metais, que retiram a gordura das peças após o manuseio e montagem. As embalagens também são manipuladas apenas com as mãos higienizadas e com luvas. E o atendimento é feito exclusivamente com hora marcada e com um cliente de cada vez, seja no atelier de Portugal ou no do Brasil.

O futuro do mundo, e não apenas da moda, ainda é uma incógnita para toda a sociedade. Entretanto, para quem ainda pensa que não terá de se adequar à nova realidade e ao futuro do planeta, Monica é enfática: «A moda é um reflexo da sociedade. Cada um usa o que acredita ser melhor para si. Mas não me agrada sentir que existe uma certa alienação aos factos, com alguns profissionais a fingir que não está nada a acontecer. Nesse sentido, a moda acaba por se tornar sinónimo de futilidade, de glamour fora de hora. E não é esse o conceito que eu quero passar com a minha marca», reflete a designer, que também quer tornar o seu trabalho cada vez mais sustentável, incluindo a criação de nova embalagens.

 

[Leia também: Sabe quem foram as 5 mulheres mais importantes do séc. XX? Conheça as suas histórias]

 

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