O carrapato estrela solitária, de nome científico Amblyomma americanum, foi descrito pela primeira vez pelo cientista sueco Carlos Lineu em 1758. Deve o seu nome a uma mancha característica nas suas costas que lembra o formato do Estado do Texas. Os carrapatos solitários da estrela alimentam-se do sangue de vários animais, incluindo os humanos. Estudos recentes acabam de revelar que esta espécie pode transmitir vários agentes patogénicos para seres humanos e outros animais, como aqueles que causam erliquiose, rickettsioses, tularemia, e theileriose. E mais, pode provocar uma grave alergia à carne bovina e suína. Mais alarmante ainda, com as alterações climáticas, está a propagar-se.
Carrapatos, exímios indicadores de alterações climáticas
A agência de protecção ambiental dos Estados Unidos (EPA) usa a doença de Lyme, chamada também de borreliose — uma zoonose causada pela bactéria borrelia burgdorferi, que é transmitida pelo carrapato ixodes ricinus —, como um indicador para monitorizar mudanças no clima.
Peter Coughlin, estudante da Universidade James Madison, no norte da Virgínia, foi acometido por uma estranha doença. Durante a noite, acordava várias vezes com urticária, calafrios e febres altas. Estes episódios terminavam quase sempre com o jovem na casa de banho, a vomitar incessantemente.
Coughlin manteve um diário alimentar durante um ano, tendo percebido que os sintomas manifestavam-se depois de comer carnes vermelhas; e as reacções estavam a tornar-se cada vez mais violentas.
Em 2016, já fatigado com o seu estado de saúde, deslocou-se ao hospital, onde foi submetido a uma bateria de testes para despistar todas as alergias mais comuns. O médico que o assistiu ficou perplexo com a falta de resultados. Prescreveu-lhe um forte anti-histamínico e epinefrina (adrenalina), e mandou-o para casa.
Frustrado, Coughlin começou a pesquisar. E encontrou semelhanças entre os seus sintomas e casos documentados de algo chamado alergia a alfa-gal (um hidrato de carbono encontrado nas células de muitos animais que os seres humanos consomem). Face à sua descoberta, a Universidade de Virgínia iniciou um vasto estudo sobre esta reacção alérgica.
Coughlin caminhava com regularidade nas Montanhas Blue Ridge, no leste dos Estados Unidos, e começou a estar mais atento a tudo o que o rodeava, tendo verificado que chegava a casa cheio de carrapatos solitários, tendo muitas vezes sido mordido por eles. O estudo empreendido pela instituição acabaria por revelar que estes pequenos insectos eram os culpados pela sua alergia à carne.
A alergia Alfa-Galão (alergia à carne) é uma reação imunológica severa, de reacção retardada, o que significa que apenas começa a apresentar sintomatologia horas depois de a “vítima” consumir carne ou derivados dela. As pessoas que sofrem desta condição médica descrevem os seus episódios como experiências aterrorizantes, que podem levá-las às urgências hospitalares a obrigar a alterar profundamente os seus hábitos alimentares.
Enquanto lê isto, milhões de minúsculas criaturas estão a começar a despertar após um período de letargia sob as camadas da cobertura de folhas do ano passado.
Os carrapatos só perdem para os mosquitos como vectores de doenças humanas, e recentes relatórios dos Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) mostraram que doenças causadas por carrapatos, pulgas e mosquitos estão a aumentar. Nos EUA, os casos de doença mais do que triplicaram entre 2004 e 2016, e tudo indica que estamos mal preparados para enfrentar este problema crescente.
Grandes áreas do leste dos EUA já estão a lidar com uma epidemia da doença de Lyme, que afecta a memória a curto prazo (MCP), as funções motoras e, esporadicamente, pode levar à morte.
Segundo os CDC, sete novas infecções transmitidas por carrapatos solitários foram registadas desde 2004, mas a agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA ainda não reconheceu as alergias alfa-gal.
Uma combinação de factores permitiu que as estrelas solitárias conquistassem territórios cada vez mais abrangentes, sendo que as alterações climáticas estão entre eles, uma vez que afectam a taxa de viabilidade dos milhares de ovos depositados por um único carrapato de uma só vez. Graham Hickling, director do Centro para a Saúde da Vida Selvagem da Universidade do Tennessee, está alarmado. «Quase todos os anos encontramos algo de novo.» Com as estações quentes, a par de anos de elevada pluviosidade, este é um fenómeno com tendência para se agravar. E com os Invernos cada vez menos rigorosos, os carrapatos podem permanecer activos por mais tempo, aumentando as probabilidades de sermos infectados por estes insectos.
Holly Gaff, especialista em doenças transmitidas por carrapatos da Old Dominion University (ODU), em Norfolk, Virgínia, também aponta para um dos anfitriões predilectos dos carrapatos: o veado de cauda branca. Este mamífero é capaz de percorrer vários quilómetros por dia, e os carrapatos, que aproveitam a boleia enquanto se vão alimentando dele, acabam por ir parar a sítios longínquos. Os esforços de reflorestamento no leste dos EUA, que começaram no século XX, juntamente com uma queda na caça, propiciaram um aumento exponencial nas populações de veados de cauda branca. Por sua vez, o crescimento dos subúrbios fez com que cada vez mais pessoas habitem próximo a áreas arborizadas.
O especialista considera esta combinação de factores — o aumento da população de veados, as pessoas a viverem cada vez mais próximas a florestas fragmentadas, um clima mais amistoso — a “tempestade perfeita” para a proliferação de carrapatos solitários.
Até ao momento, pelo menos 600 casos de alfa-gal foram diagnosticados, de acordo com o alergologista da Universidade da Carolina do Norte, Scott Commins, um dos investigadores que descobriu o vínculo entre carrapatos e alfa-gal. Mas reconhece que provavelmente esta será apenas uma fracção dos incidentes. É uma patologia difícil de diagnosticar, e os médicos não são obrigados a reportar os casos de alpha-gal aos Centros para o Controle e Prevenção de Doenças.
As estrelas solitárias caçam em bando e viajam a velocidades surpreendentes, emergindo das folhas como um enxame sedento. E são altamente resistentes; conseguem sobreviver congeladas após vários dias, e até mesmo quando “afogadas”, seja em água salgada, doce ou salobra – neste último caso, uma estrela solitária só sucumbiu após 74 dias. Ou seja, parecem ser invencíveis.
E basta uma mordida deste carrapato para a sua vítima desenvolver uma alergia à carne que pode durar meses, anos, ou até a vida inteira.
O alfa-gal é uma molécula de açúcar encontrada em quase todos os mamíferos, excepto os humanos e alguns outros primatas. Uma estrela solitária que carregue alfa-gal, ao morder uma pessoa, infecta o sangue da vítima através da sua saliva. De seguida, a referida molécula “reconfigura” o sistema imunológico do corpo, levando-o a produzir uma sobrecarga de anticorpos alfa-gal. Assim que a pessoa ingere carne vermelha, desencadeia-se uma violenta reacção alérgica ao açúcar presente no alimento, que, em última instância, pode levar à morte.
A maioria dos casos de anafilaxia relacionada com alimentos ocorre em poucos minutos após a ingestão, mas o alfa-gal é uma das raras alergias que não funciona desta forma; os primeiros sintomas podem começar a ocorrer três, quatro, cinco e até oito horas após a refeição. Isto dificulta o diagnóstico, e é por isso que muitos dos pacientes com alfa-gal que dão entrada nas urgências são enviados para casa sem uma resposta médica.
A boa notícia é que já há um grupo de cientistas a trabalhar numa vacina para a alfa-gal, enquanto outros estão a estudar formas de atacar o problema na sua raiz — eliminando os carrapatos de áreas densamente povoadas. Holly Gaff, por exemplo, está a conduzir um trabalho com um robô, o tickbot, que se move arrastando um pano embebido em permetrina (composto sintético utilizado em insecticidas, repelentes e acaricidas que também mata carrapatos). O bot, que transporta um pedaço de gelo seco embutido no centro, expele CO2 e atrai carrapatos para o pano tóxico.