Alteradores endócrinos: um perigo invisível

Estão em toda a parte, entram na cadeia alimentar e podem causar problemas de saúde como infertilidade ou cancro a pessoas de todas as idades. Os mais velhos são um grupo de risco porque estes compostos persistem no organismo ao longo da vida.

Para compreender melhor este tema importa, antes de mais, esclarecer o que é o sistema endócrino. Por definição, trata-se do conjunto de glândulas responsáveis pela produção de hormonas que entram no sistema circulatório para serem transportadas no sangue até aos diversos órgãos do corpo. As glândulas que compõem o sistema endócrino são a hipófise, a tiróide e paratiróide, o timo, as glândulas suprarrenais, o pâncreas e as glândulas sexuais.

Conceição Calhau, professora associada da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e coordenadora de investigação no CINTESIS, explica que “os alteradores ou disruptores endócrinos são qualquer substância estranha ao organismo que interfere com o sistema endócrino, alterando uma ou mais vias hormonais”. Estas substâncias contaminam não apenas os seres humanos, mas também os animais, entrando assim na cadeia alimentar. Passam da mãe para o feto no período de gestação.

Existe uma grande quantidade de substâncias naturais e artificiais que que se pensa serem agentes de disrupção endócrina, onde se incluem produtos farmacêuticos, dioxinas e outros compostos, bifenilpoliclorado, DDT e demais pesticidas e ainda plastificantes como o Bisfenol A. Artigos do dia-a-dia como garrafas de plástico, latas de metal, detergentes, brinquedos, cosméticos, inseticidas ou pesticidas são responsáveis pela contaminação por alteradores endócrinos.

Os efeitos para a saúde são muito graves. “Já é robusta a evidência que associa a exposição e acumulação destes compostos à obesidade, diabetes, doenças mentais como a depressão, doença cardiovascular e cancro”, refere Conceição Calhau. “O sistema endócrino tem a relevância de controlar processos fisiológicos, sendo importante para o crescimento e desenvolvimento. Qualquer interferência ou perturbação nesta rede vai ter impacto na saúde”.

As grávidas são um grupo de risco, visto que os alteradores endócrinos são transferidos para o feto, podendo provocar problemas de desenvolvimento durante a formação dos órgãos e do sistema nervoso. Mas os idosos também, por razões diferentes. “Bebés, crianças e grávidas, pela sua interferência com o crescimento e estádios de formação do organismo, são os grupos de maior risco. No entanto, todos os grupos estão sob risco. Nos idosos, pelo longo período de vida a que já foram expostos a diversas substâncias, a presença destas substâncias é maior, uma vez que não se degradam, apenas se acumulam”, explica Conceição Calhau.

Como funcionam os alteradores endócrinos

A influência dos disruptores no sistema endócrino pode ocorrer de três formas.

A primeira consiste na simulação de hormonas presentes no corpo humano, como estrogénios, androgénios ou hormonas da tiróide. Através desta simulação, os alteradores endócrinos irão reproduzir o comportamento das hormonas naturais, podendo provocar uma superestimulação.

Outra forma de atuação destes químicos é posicionarem-se entre as células, bloqueando a entrada às hormonas e impedindo, desta forma, a sua ação.

O terceiro modo de operar dos alteradores endócrinos consiste em interferir ou bloquear a forma como como as hormonas ou os seus recetores são segregados ou controlados. Uma das consequências possíveis é a alteração do metabolismo no fígado.

Consoante o modo de atuação dos alteradores endócrinos, eles podem, quando acumulados em doses suficientes, aumentar ou diminuir os níveis hormonais, duplicar a ação das hormonas ou alterar a sua produção natural. “No fundo, interferem como qualquer ‘momento’ da vida de uma ou mais hormonas (seja hormona sexual como estrogénios, testosterona, androgénios), hormona do crescimento, insulina, glicocorticóides, hormonas da tiróide, entre outras”, conclui Conceição Calhau.

Prevenção

Tratando-se de compostos que se encontram em artigos de utilização diária, bem como na cadeia alimentar, é difícil prevenir a contaminação por alteradores endócrinos. Importa referir que na maioria dos casos a exposição ocorre em doses mínimas, mas entra aqui o problema da persistências destes químicos no organismo durante anos. Conceição Calhau considera que “a utilização destas substâncias em diversas áreas da indústria alimentar, cosmética, plástico, pesticidas, materiais de conveniência impermeáveis e anti-aderentes, entre outras, veio trazer a acumulação no ambiente, na cadeia alimentar e no organismo, provocando efeitos nefastos na saúde”.

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