Mas e se o verdadeiro mistério da mente fosse, afinal, o oposto? Bem-vindo ao mundo do jamais vu, a perturbação cerebral que pode fazer com que esqueça algo tão simples como… usar um volante.
Ao contrário do déjà vu, em que algo novo parece familiar, o jamais vu é exatamente o contrário: algo que sempre conheceu de repente parece estranho ou completamente novo. Pode ser esquecer momentaneamente como escrever uma palavra básica, como “porta”, ou até sentir que não sabe usar os pedais do carro — como aconteceu ao psicólogo Akira O’Connor, da Universidade de St Andrews, na Escócia.
O’Connor foi forçado a encostar o carro na autoestrada por sentir que, de repente, se tinha esquecido de como conduzir. Um momento de desconexão com a realidade? Talvez. Mas não é assim tão raro quanto parece — e a ciência está finalmente a compreendê-lo melhor.
Segundo explicou o próprio O’Connor ao The Conversation, o fenómeno pode estar ligado a comportamentos excessivamente automáticos. Ou seja, tarefas que realizamos tantas vezes — como escrever uma palavra ou conduzir — podem entrar em “modo automático” no cérebro. E quando esse estado é interrompido, por fadiga ou repetição excessiva, algo no cérebro “desliga-se”, forçando-nos a sair do piloto automático.
Para testar esta teoria, O’Connor e a sua equipa conduziram dois estudos:
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No primeiro, 94 estudantes universitários foram convidados a escrever repetidamente 12 palavras (como “porta” ou “espada”) o mais rápido possível. Cerca de 70% dos participantes pararam porque começaram a sentir que as palavras deixavam de fazer sentido ou pareciam “falsas”.
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No segundo estudo, os participantes escreveram repetidamente apenas a palavra “the” (“o” ou “a” em inglês). Cerca de 55% relataram experiências de jamais vu após 27 repetições.
Entre os testemunhos dos participantes, destacam-se frases como:
“As palavras perdem o sentido quanto mais olhamos para elas.”
“Parece que perdi o controlo da mão.”
“Já não parece uma palavra real, como se alguém me tivesse enganado para acreditar que era.”
Embora o conceito de jamais vu remonte a 1907 — com a psicóloga Margaret Floy Washburn a identificar a “perda de poder associativo” num dos seus alunos — só agora começa a ser estudado de forma mais profunda.
Ainda que mais raro que o déjà vu, os investigadores acreditam que o jamais vu pode ser mais comum do que imaginamos, apenas mal interpretado ou ignorado. A sensação de estar “desligado” do presente, ou de que algo rotineiro se tornou inexplicavelmente estranho, pode surgir em momentos de cansaço extremo, ansiedade ou até por repetição.
Da próxima vez que estiver na cozinha a olhar para a chaleira sem saber como usá-la, ou se uma palavra simples começar a parecer estrangeira, talvez não esteja a enlouquecer. Pode ser só o seu cérebro a “reajustar-se” à rotina.