De acordo com dados do segundo inquérito do Observatório Internacional de Microbiotas, que envolveu a recolha de respostas de 11 países de três continentes, os portugueses ainda sabem pouco sobre o papel que o microbioma e a microbiota* têm no bom funcionamento do nosso organismo, embora tenha havido uma melhoria relativamente ao inquérito realizado no ano passado.
Em mais um Dia Mundial do Microbioma, o Biocodex Microbioma Institute, a primeira plataforma internacional de referência e de especialização sobre a microbiota humana, divulga os resultados do novo inquérito internacional para chamar a atenção para a importância que os microrganismos têm no nosso organismo.
Face aos dados apurados neste segundo inquérito, Conceição Calhau, Investigadora e Professora Catedrática na NOVA Medical School, considera que há ainda um longo caminho de sensibilização a fazer. “A maioria das pessoas não sabe que algumas patologias como a doença de Crohn, síndrome do intestino irritável, obesidade, Parkinson, ou autismo, estão, de alguma forma, relacionadas com a microbiota, mais concretamente com desequilíbrios da microbiota. Mais, o equilíbrio destas comunidades de microorganismos é crucial para o sistema imunitário, de forma a podermos estar mais protegidos das sequelas pós-infeção vírica ou bacteriana, como vimos na COVID-19, em que uma microbiota com menor diversidade tornava os indivíduos mais vulneráveis a quadros mais graves da doença ”, sublinha.
A investigadora explica que a microbiota é constituída por milhões de microrganismos (bactérias, vírus, fungos, etc.) que vivem em simbiose no nosso corpo. Acrescenta que o nosso organismo tem, não só uma microbiota (flora) intestinal, mas também uma microbiota na pele, boca, pulmões, trato urinário e vagina. No que se refere à intestinal, a grande guardiã do sistema imunitário, Conceição Calhau alerta que qualquer interferência, em particular nos primeiros mil dias de vida, pode impactar de forma irreparável a saúde na fase adulta, entre outras, com associação a doenças autoimunes”.
Este ano, em termos globais, perto de uma em cada duas pessoas afirmou que o médico explicou, pelo menos uma vez, o que era a microbiota e para que servia (45%). Mas embora os portugueses tenham recebido menos informação dos seus profissionais de saúde do que no resto do mundo, há uma evolução positiva: 31% foram informados pelos seus profissionais de saúde sobre o que é a microbiota e para que é utilizada (+5 pontos vs. 2023); 38% receberam explicações sobre os comportamentos corretos para manter uma microbiota equilibrada (+3 pontos vs. 2023); e 37% receberam informação sobre a importância de preservar o equilíbrio da sua microbiota (vs. 48% no total).
“A educação das pessoas é hoje um desafio essencial para lhes ensinar não apenas o papel do microbioma e da microbiota na saúde, mas também sobre os comportamentos a ter para manter estes microrganismos em equilíbrio, como uma dieta diversificada e hábitos de vida saudável. Os profissionais de saúde têm aqui uma missão importante de de sensibilização e de capacitação para a prevenção”, defende Conceição Calhau.
No que se refere à prescrição de antibióticos, os dados mostram que 30% dos portugueses foram sensibilizados pelos profissionais de saúde para as consequências negativas da toma deste tipo de medicamentos no equilíbrio da microbiota, o que também demonstra uma evolução positiva (+3 pontos vs. 2023, 39% no total). A este propósito, a investigadora frisa que “é fundamental que os profissionais de saúde percecionem de forma correta os danos da antibioterapia na microbiota e atuem para minimizar danos e a promover a recuperação da microbiota para o seu estado de equilíbrio”. De acordo com a evidência cientifica, quer molecular quer clínica, deve ser associada à prescrição do antibiótico, um probiótico que contenha uma levedura como a Saccharomyces boulardii.
Conceição Calhau lembra que os antibióticos “podem levar ao desenvolvimento de manifestações imunológicas complexas, como a doença do enxerto contra o hospedeiro, a doença inflamatória intestinal ou as alergias”.
Portugueses mais familiarizados com o termo “flora”
Entre os inquiridos que já ouviram falar de microbiota a nível global, apenas 23% sabia exatamente o que a palavra microbiota significava. A percentagem sobe para os 26% quando se pergunta se sabem exatamente o que é a microbiota intestinal (+2 pontos vs. 2023). Já em Portugal, apenas três em cada cinco pessoas já ouviu falar em microbioma e só 15% sabem exatamente o que significa. O nosso país revelou ainda menos conhecimento sobre os outros microbiomas do organismo quando comparado com os restantes países. No entanto, Portugal continua a liderar o ranking dos países inquiridos quando se substitui a palavra microbiota ou microbioma por flora. Cerca de 97% dos portugueses questionados já ouviram falar de flora intestinal e 91% de flora vaginal.
Se o conhecimento sobre a microbioma mostra algum progresso em termos globais, ainda há muito espaço para melhorias, especialmente no que se refere à sua diversidade e composição. Menos de metade das pessoas inquiridas (46%) sabe que a microbiota não está localizada exclusivamente no intestino e apenas 28% sabe que a microbiota não é constituída unicamente por bactérias. Uma em cada duas pessoas (53%) sabe que a microbiota permite ao intestino dar ao cérebro informações que são essenciais para a nossa saúde.
Mulheres mais informadas que os homens
A consciencialização sobre microbioma é mais elevada no Vietname, França e Espanha, e mais baixa na Finlândia e em Marrocos. Portugal tem uma percentagem de 62%, abaixo da média global, que é de 70%. As pessoas com problemas de saúde são as que estão mais bem informadas, em particular as que sofrem de problemas digestivos, geniturinários ou neurológicos.
Em termos gerais, as mulheres estão mais bem informadas que os homens. Os pais de crianças pequenas e com idades entre os 25 a 44 anos têm uma melhor consciência sobre cada microbioma do que os mais novos ou os idosos. Esta faixa etária é também a que mais adotou comportamentos positivos para o equilíbrio do microbioma. É ainda a que mais sabe exatamente o que são probióticos e prébióticos.
Em termos de comportamentos considerados essenciais para uma boa saúde, a pontuação foi expressiva. Uma grande maioria refere fazer uma dieta equilibrada e variada (84%), praticar atividade física (78%) e evitar fumar (76%) ou limitar os alimentos processados (75%) para reduzir o risco de desequilíbrio da microbiota. Os vietnamitas (84%), mexicanos (67%) e polacos (65%) são aqueles que se mostraram mais disponíveis para adotar comportamentos saudáveis. Os menos disponíveis para alterar comportamentos que garantam o equilíbrio do microbioma são os franceses (48%), portugueses (47%) e os finlandeses (36%).
Ao todo, o Observatório Internacional de Microbiotas realizou 7500 inquéritos nos Estados Unidos da América, Brasil, México, Portugal, Espanha, França, Polónia, Finlândia, China, Vietnam e Marrocos.