Pela primeira vez na história da medicina foi realizada uma edição de ADN dentro do corpo de um ser humano com o objetivo de salvar a sua vida. O procedimento, levado a cabo por uma equipa do Hospital Pediátrico da Filadélfia, nos Estados Unidos, foi realizado num recém-nascido com uma mutação rara e potencialmente fatal.
De acordo com o New York Times, a criança sofria de uma deficiência chamada CPS1, uma doença hereditária que impede o organismo de processar corretamente as proteínas ingeridas. O resultado é uma acumulação de amónia no sangue, substância tóxica que pode causar danos neurológicos graves ou mesmo a morte.
A doença tem uma taxa de mortalidade de cerca de 50% nos primeiros meses de vida. No caso deste bebé, os primeiros sintomas surgiram ainda nas primeiras 48 horas de vida. A situação agravou-se de forma rápida, com os médicos a preverem que seria necessário um transplante hepático antes dos cinco meses de idade.
Terapias genéticas: ex-vivo vs. in vivo
Existem atualmente duas abordagens principais para a edição genética com fins terapêuticos. A primeira, conhecida como ex-vivo, consiste em remover células do paciente, corrigir a mutação em laboratório e reintroduzi-las no corpo. Foi esta a técnica utilizada no tratamento CASQEVI para a anemia falciforme, onde células da medula óssea são modificadas fora do corpo antes de serem devolvidas ao paciente.
Já a segunda abordagem, in vivo, envolve a introdução direta do “maquinário” de edição genética no corpo do doente. Este método permite que a correção da mutação ocorra diretamente nos tecidos afetados, sem necessidade de remover células.
Uma estreia mundial com tecnologia de ponta
Neste caso, os médicos optaram por recorrer à técnica in vivo, utilizando uma versão específica do sistema CRISPR conhecida como base editing. Conforme explica o New York Times, esta técnica permite alterar uma única base do ADN sem cortar ambas as fitas da cadeia dupla, tornando o processo menos agressivo para o genoma.
O tratamento foi administrado através de uma injeção contendo as ferramentas moleculares necessárias para executar a edição. A equipa responsável inclui um dos cientistas que ajudaram a desenvolver a tecnologia de base do ADN, descrito pela publicação como um “hacker da evolução”.
Resultados visíveis em poucas semanas
Sete semanas após o tratamento, os sinais clínicos começaram a mudar. Segundo a mesma fonte, o bebé conseguiu aumentar a ingestão de proteína, reduzir para metade a dosagem dos medicamentos que o mantinham vivo e, até ao momento, não apresentou quaisquer efeitos adversos visíveis.
Os médicos continuam a acompanhar de perto a evolução do caso, atentos a eventuais efeitos a longo prazo. Embora os resultados sejam preliminares, o procedimento representa um marco histórico.
Impacto clínico e limitações atuais
Trata-se de uma única intervenção num único paciente. Como tal, os cientistas sublinham a importância de ampliar a amostra e avaliar os resultados em novos casos antes de considerar a terapia segura ou eficaz em larga escala.
Ainda assim, conforme escreve o New York Times, o sucesso inicial abre caminho para novas possibilidades no tratamento de doenças genéticas graves desde o nascimento.
Cautela e esperança no futuro da medicina genética
Este avanço vem reforçar a promessa das terapias baseadas em edição genética, que nos últimos anos têm evoluído com maior precisão e menos efeitos secundários. A introdução direta de editores genéticos no organismo poderá vir a alterar profundamente o tratamento de doenças hereditárias raras, particularmente aquelas diagnosticadas logo após o nascimento.
O caso continua a ser monitorizado por especialistas em genética, bioética e medicina pediátrica, atentos à evolução do paciente e ao impacto da terapia no seu desenvolvimento futuro.
De acordo com a publicação norte-americana, este poderá ser apenas o primeiro passo de uma nova era de intervenções genéticas em humanos vivos.