Entrar (ou não) em linha de conta

A Escrivaninha (equipa de serviços linguísticos e de edição) reflete sobre o significado e usos da palavra “conta”.

A palavra conta ocupa uma das mais longas entradas de dicionário que alguma vez li — como, aliás, poderão verificar em quase todos os dicionários que se lembrem de consultar.

 

Sim, este substantivo feminino pode significar desde «o acto de contar», «importância de uma despesa», «dívida», «cálculo», «soma total» a uma «pequena esfera com um furo por onde pode ser enfiado um fio» — e isto só para listar alguns dos possíveis significados. Além disso, pode estar presente em inúmeras expressões como: à conta de («por causa de»), afinal de contas («afinal»), fazer de conta («fingir»), dar conta do recado («ser capaz de fazer algo»), por conta própria («independentemente») e ter em conta («ter em consideração»).

Ora, é precisamente na linha do último exemplo que vem a expressão que hoje deu azo à minha curiosidade:

 

Entrar (ou não) em linha de conta.

 

Em tempos, houve quem estivesse — como hoje — encarregado da gestão de dinheiros públicos, certo? De acordo com o que se lê em A Casa dos Contos (Rau 1951), essas pessoas eram frequentemente chamadas a prestar contas dessa gestão, apresentando, junto de contadores, esses documentos em que registavam as receitas e despesas dessa mesma tarefa. Esses contadores iam analisando as referidas verbas registadas nos ditos livros de receitas e despesas e, à medida que os verificavam, trespassavam-nos com uma agulha, fazendo-os passar por um cordel — sim, como se faz com as cabeças de alho. Ora, quer isto dizer que um livro que tivesse sido trespassado pelo referido cordel já tinha sido verificado — e, consequentemente, estaria de acordo com a lei.

 

É daqui que vem a expressão entrar em linha de conta.

 

Ou seja, algo que entre em linha de conta foi tido em conta, isto é, foi verificado e examinado com atenção, tido em consideração. Por analogia, é algo que está aprovado e que passou por um crivo que lhe retira qualquer suspeita. Veja-se o seguinte caso:

 

«Os limiares de complexidade deverão entrar em linha de conta com a dimensão das transacções e o risco (para o contribuinte) associado aos preços de transferência.» (https://eur-lex.europa.eu/)

 

Por outro lado, se algo não entra em linha de conta não foi tido em conta, o que significa que não foi verificado e examinado com atenção, considerado. Consequentemente, pode querer dizer que esse algo é inadequado (a alguma coisa) ou até duvidoso (por alguma razão), já que não é tido como válido. Veja-se um exemplo:

 

«Contudo, o imposto a montante não pode entrar em linha de conta para o cumprimento do nível mínimo de tributação da electricidade estabelecido no artigo 10º da directiva.» (https://eur-lex.europa.eu/)

 

Esclarecidos? Esperamos que sim!

 

Marta Cruz

(texto escrito de acordo com a antiga ortografia)
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