Entrevista a Carlos Vasconcellos Cruz. «Não tenho tempo para a reforma»

Foi presidente da PT Comunicações, bem como CEO e administrador de diversas empresas de grande dimensão, nacionais e internacionais, mas aos 50 anos decidiu mudar de vida para se dedicar aos seus próprios negócios, às áreas que mais lhe interessam, à família e a si próprio. Aos 62 anos, Carlos Vasconcellos Cruz, presidente da Quantico, tem um histórico profissional impressionante e uma forma revigorante de olhar para o mundo que o rodeia.

Há cerca de um ano tornou-se membro do conselho de administração da plataforma Experienced Management, que identifica oportunidades para gestores com mais de 50 anos. Por que resolveu abraçar este desafio?

A génese do projeto foi uma ideia inicialmente desenvolvida pela Rosário Pinto Correia, com quem trabalhei há alguns anos no Grupo PT. A ideia original consistia numa aproximação a uma universidade, no caso, a Católica, para tentar mobilizar os ex-alunos na criação de uma plataforma de interim management, conceito que até então não existia em Portugal. De resto, até hoje e Experienced Management é a única empresa em Portugal que o faz de uma forma completamente especializada.

Este projeto inicial evoluiu e, em vez de avançarmos apenas com a Universidade Católica, decidimos fazê-lo de forma horizontal a todas as universidades, numa lógica de dupla perspetiva. Por um lado, todos os dias nos deparamos com pessoas a partir dos 50 anos com dificuldades em encontrar, através dos mecanismos normais, colocações em empresas, estando por isso desocupadas ou subocupadas. Por outro lado, parece-nos totalmente absurdo que num país em que o talento é escasso, tenhamos milhares de pessoas que estão subaproveitadas.

Foi a partir desta ideia que me tornei um dos acionistas da Experienced Management, com o objetivo de lançar este conceito que já existe, há largos anos, em todo o mundo, principalmente no anglo-saxónico. Já era altura de trazer esta ideia para Portugal de uma forma focada e exclusiva, e educando as pessoas para esta que é uma solução fantástica para determinados tipos de problemas das empresas. Não é uma solução de estabilidade para muitos anos, é uma colocação com princípio, meio e fim, com objetivos claros. Muitas vezes as empresas preferem uma solução em que faz sentido chamar alguém com muita experiência, com custos e tempos de aprendizagem curtos, para se juntar às equipas locais para resolver um determinado problema. Um ponto muito interessante é que neste tipo de colocações, absolutamente definidas no tempo e no objetivo, não há agendas ocultas. O interim manager não tem, nem expectativas de promoção, nem histórico na empresa. Tem uma agenda limpa, entra, cumpre o objetivo e sai.

Tipicamente, as pessoas que se especializam nestas funções têm, ao longo dos anos, dezenas de colocações em regime de interim management, que podem durar até 12 ou 18 meses.

Este projeto tem também uma componente de responsabilidade social, porque faz-nos muita confusão ver pessoas que estão cheias de vontade de trabalhar, com exigências financeiras que muitas vezes nem sequer estão no topo da agenda, e que estão em casa. O que está em causa para estas pessoas é terem desafios e sentirem-se úteis.

Por que é que acha que existe este excedente de talento de pessoas com tanta experiência?

Como em tudo na vida, há exceções. Nem todas as pessoas com mais de 50 anos são bons candidatos, visto que algumas se deixam ultrapassar pelo tempo. Mas a própria sociedade tem de mudar a forma como olha para esta questão. A grande alteração nas nossas vidas é o facto de as pessoas estarem a viver muitos mais anos. Os nossos filhos e netos irão viver, seguramente, para lá dos 100 anos. Ou seja, acabou o tempo em que as pessoas morriam mais cedo e se tornavam obsoletas nos locais de trabalho por volta dos 50 ou 60 anos. Hoje em dia as pessoas vivem mais, têm saúde, estão permanentemente numa fase de aprendizagem, nomeadamente do mundo digital, e portanto aquela ideia de que as coisas podem ser geridas como eram há 20 ou 30 anos é absurda. Aliás, isto coloca um problema que é nós termos sociedades cada vez mais envelhecidas, em todo o Mundo, e menos pessoas novas, supostamente a suportar os sistemas de segurança social. A manter-se esta situação, vamos ter cada vez mais pessoas com dificuldades económicas e sem nada para fazer. Daí ser importante as empresas começarem (e algumas já estão) a assumir isso, não só nestas situações de interim management, mas também para casar a experiência com as oportunidades de desenvolvimento de pessoas mais novas. É que o ideal não é criar projetos apenas para pessoas mais velhas. O ideal é ter o bend da experiência com a juventude. Além disso, estas pessoas mais experientes querem trabalhar de maneira diferente. Provavelmente querem ter mais tempo livre, mais flexibilidade de horários, fazer as coisas de outra forma… O horário de trabalho, numa conceito rígido, já não faz sentido num mundo cada vez mais globalizado.

No século XX nós vivemos uma revolução a nível digital. Neste momento estamos a entrar numa fase em que estamos a dominar o genoma humano. Passámos do código binário para o código genético e cada vez mais a medicina será, completamente ou quase, preventiva. Vamos conseguir prever e eliminar as causas da maioria das doenças que hoje matam as pessoas. Assim, a vida vai ser prolongada, e com qualidade. É mais do que altura de começar a pensar que temos de gerir as expectativas do mercado de trabalho, de acompanhamento de pessoas, de consumo e muitos outros.

Qual a recetividade que têm recebido do conceito de interim management?

Do lado das pessoas que procuram oportunidades, tem estado a correr muito bem. Contrariamente às nossas expectativas de numa primeira fase ter à volta de uma centena de pessoas, neste momento já estamos a trabalhar com uma base de dados de mais de 500 candidatos qualificados e interessados em funções de interim management.

Por outro lado, os casos em que já fizemos colocações correram ou estão a correr muitíssimo bem. Há uma grande satisfação quando as coisas acontecem, tanto do lado dos candidatos como do ladodas empresas.

O que ainda é preciso fazer é alterar a mentalidade dos CEO e diretores de recursos humanos, que ainda olham para o interim management como uma coisa desconhecida. Em caso de necessidade, estão habituados a recorrer a um consultor, e não é disso que se trata. No interim management, a pessoa implementa. Enquanto na consultoria se fazem recomendações, no interim management entrega-se resultados. As pessoas trabalham com as equipas nas empresas, transmitem o seu knowledge e implementam soluções. É uma matéria muito rica em termos de transmissão de conhecimento de forma acelerada, são anos e anos de experiência colocados ao serviço de objetivos muito claros das empresas. E por isso é preciso uma alteração das mentalidades. A primeira coisa que vem à cabeça de quem decide, nas empresas, não é contratar um interim manager. É normal, porque é um conceito novo. Noutros países isto está implementado e no topo das agendas; em Portugal ainda existe pouca espontaneidade na procura destas soluções.

Como consiste o acompanhamento da Experienced Management efetuado ao candidato?

Os candidatos registam o seu interesse na plataforma, preenchendo os dados necessários. A partir daí, existe o envolvimento da Brainforce, que também é nossa acionista e tem uma experiência de mais de 30 anos nesta matéria, e que nos tem apoiado na seleção dos perfis mais adequados para vários tipos de funções. De seguida, quando há oportunidades concretas, entrevistamos os candidatos e fazemos uma shortlist, que é partilhada com a empresa, para que faça a sua escolha. A partir daí o candidato é integrado. Durante a integração, procuramos ter o feedback, quer do cliente, quer do interim management, sobre como estão a decorrer as coisas.

É um processo muito simples e rápido, o que é fundamental no interim management. Tipicamente, para recrutar um quadro superior, podemos demorar uns três meses, não só na identificação do perfil certo, mas também porque a pessoa, se estiver empregada, tem de dar um pré-aviso à empresa onde está, que poderá ser de 30, 60 dias ou mais. Na situação do interim management tudo é mais rápido. Pode resolver-se um processo destes em poucas semanas.

O próprio Carlos Vasconcellos Cruz mudou de vida a determinada altura. Foi administrador e CEO em várias grandes empresas, nacionais e internacionais, e um dia resolveu fundar a sua própria empresa. Criou a empresa apenas porque viu uma boa oportunidade de negócio neste setor, ou porque precisava efetivamente de um desafio diferente?

Sentia essa necessidade de mudar e, acima de tudo, foi uma mudança planeada. Há fases da vida em que as pessoas querem fazer determinadas coisas e têm objetivos que mudam com o tempo. E eu sempre pensei que quando chegasse aos 50 anos gostava de dedicar-me a coisas nas quais tivesse mais controlo, na medida em que ou fossem minhas, ou tivesse uma posição acionista determinante. Por outro lado, queria também juntar dois outros objetivos: gerir a minha vida pessoal com mais flexibilidade, o que é difícil quando se está em posições executivas; e ter a possibilidade de desenvolver projetos com a incorporação de gente nova, precisamente para aliar a experiência à juventude.

Ao longo da minha carreira como executivo comecei a ter alguns interesses e pequenas participações, porque tinha pouco tempo, em algumas áreas que me interessavam, nomeadamente a tecnologia, o imobiliário e a biotecnologia. Assim, quando chegou a altura de pensar no que ia fazer a seguir, juntei-me a um colega da vida toda para criar este projeto.

Quais foram os benefícios que colheu desta mudança?

O benefício principal é passar para uma situação em que não há a necessidade de prejudicar a vida pessoal para que as coisas aconteçam. Depois há a satisfação de fazer coisas novas, visto que sempre gostei de estar envolvido nas coisas e de aprender. Neste momento, tenho essa hipótese nos vários projetos que tenho. É bom poder gerir isso ao meu ritmo e estar permanentemente a aprender. Quando não aprendemos todos os dias, estamos um pouco mais “estúpidos” do que no dia anterior. É preciso notar que nos últimos 20 anos as coisas mudaram radicalmente e todos temos que nos encaixar e estar preparados, visto que é ao mundo de hoje que estamos expostos e não ao de há 30 anos.

O que parece é que consegue estar hoje envolvido em mais coisas e, ainda assim, ter mais tempo para si…

Sim, e isso também acontece porque nas empresas temos um fenómeno que é o de existir muita atividade que não gera valor. Quando nos concentramos apenas no que é importante, fica mais tempo à disposição.

Da sua experiência, que conselhos daria a quem decide fazer uma mudança de vida aos 50 anos?

Os pontos principais são: preparar-se muito bem; estar disponível para ir trabalhar onde as oportunidades estão, e muitas vezes essas oportunidades não estão aqui ao lado; e ter a mentalidade e a curiosidade de estar permanentemente a aprender. Eu, se por um lado procuro transmitir conhecimento, por outro, sou um ávido “estudante” e estou a par de uma série de temáticas pelas quais me interesso. É fundamental não se deixar ultrapassar e desatualizar, só porque tem 50, 60 ou 70 anos.

Mas o conselho mais importante será, porventura, planear tudo isto antes de chegar aos 50. Esta mudança não acontece de um dia para o outro, e, quando acontece, normalmente não corre bem e temos de passar para opções secundárias.

Tem 62 anos e uma carreira muito longa na área da gestão. Já pensa em reforma, ou essa ideia nem lhe passa pela cabeça?

Não, não penso nisso. Para mim, o conceito de reforma é ser mais seletivo no que faço e ter mais tempo para as coisas que gosto de fazer. Espero continuar a estar ligado a muitas atividades ao longo da minha vida, enquanto tiver saúde física e mental.

Para mim, o conceito de reforma não faz sentido. O que faz sentido é viver ciclos diferentes ao longo da nossa existência, em função das próprias limitações que a idade traz, mas sempre com a perspetiva de estar permanentemente ativo. Quero trabalhar até morrer e cada vez mais fazer aquilo que gosto. Não tenho tempo para a reforma.

Ler Mais