No coração do deserto mesopotâmico, no atual sul do Iraque, jazem os vestígios de Eridu, a cidade que, segundo a tradição suméria, recebeu dos deuses o dom da realeza. Agora, um estudo recente publicado na revista científica Antiquity lança nova luz sobre a importância desta metrópole ancestral, revelando uma rede urbana e agrícola altamente sofisticada, muito anterior às pirâmides do Egito.
A investigação foi liderada pelo geoarqueólogo Jaafar Jotheri, da Universidade de Al-Qadisiyah (Iraque), em colaboração com investigadores da Universidade de Durham (Reino Unido), e recorreu a imagens de satélite, drones e análises de campo para mapear mais de 4.000 canais secundários, 200 canais principais e cerca de 700 explorações agrícolas, todos associados à antiga Eridu e datados entre o 6.º e o 1.º milénio a.C.
A cidade onde nasceu a civilização
Eridu já era conhecida desde meados do século XIX, quando o diplomata britânico John George Taylor visitou o monte arqueológico de Tell Abu Shahrain. No entanto, foi apenas em 1946 que as escavações lideradas por Fuad Safar e Seton Lloyd revelaram a verdadeira dimensão do sítio: uma sucessão de templos sobre templos, erguidos ao longo de dois milénios, culminando num zigurate inacabado da terceira dinastia de Ur.
O templo de Enki, deus sumério das águas doces e da sabedoria, foi o centro espiritual da cidade, reconstruído vezes sem conta, acompanhando o surgimento de hierarquias sociais e da própria arquitetura monumental.
Agora, este novo estudo mostra que Eridu não era apenas um centro religioso. A cidade possuía uma estrutura hidráulica e agrícola planeada, que sustinha milhares de habitantes e exigia organização colectiva, conhecimento técnico e governação, ingredientes fundamentais da civilização.
Segundo os autores, esta descoberta ajuda a compreender como as primeiras cidades do mundo foram planeadas de forma interligada com os seus recursos naturais. A gestão da água implicava redes de canais, drenagem, zonas agrícolas e espaços urbanos claramente definidos.
“Estas estruturas desafiam a visão simplista de que os primeiros assentamentos eram apenas agrupamentos informais de casas”, explica Jaafar Jotheri. “Eridu mostra que o urbanismo começou muito antes do que pensávamos”, conclui.