A mesa, subordinada ao tema “Não há machado que corte a raiz ao pensamento”, teve como participantes os músicos Amélia Muge, André Neves (Maze), Pedro Abrunhosa, Sérgio Godinho e a escritora Maria do Rosário Pedreira, aqui na condição de letrista.
Centrando as intervenções na celebração de 25 anos do festival e dos 50 anos da revolução do 25 de Abril, os artistas alertaram para os riscos de retrocesso nas conquistas de liberdade, não só em Portugal, mas no mundo.
Pedro Abrunhosa começou por justificar a ausência de um texto preparado para a ocasião, com a falta de tempo, por ter passado “a semana a esgrimir argumentos com o Bloco de Esquerda, mas num debate agradabilíssimo”, numa referência a uma acusação de plágio que fez ao partido, por usar uma frase de campanha que alega ser retirada de uma música da sua autoria.
Recordando que a sua música “Talvez foder” tem 33 anos, argumenta que essa expressão continua atual contra acontecimentos que se têm perfilado no horizonte histórico e político.
“Há fascistas em Berlim e em Moscovo, há mortes na Palestina e há feridos em Israel, o mais obsceno são estes factos. Pensei que caminhávamos para melhor”, disse, acrescentando: “Hoje temos que voltar a empunhar esse ‘slogan’ e gritar ‘fascismo nunca mais’ porque é isso que se aproxima”.
O músico argumentou ainda que “o sistema não se derruba sendo politicamente correto, o sistema derruba-se com o politicamente incorreto”, e não poupou críticas contra o uso que se faz das redes sociais, a quem as pessoas entregam tudo, a ponto de perderem a sua invisibilidade, privacidade e intimidade, enquanto as crianças perdem uma infância de brincadeiras na rua e “joelhos esfolados”.
“A manipulação dos direitos nas plataformas é algo a que eu chamo a atenção, a luta contra o digital tem de vir por aí”, disse. E, dirigindo umas palavras ao festival, assinalou estar perante uma “assembleia que celebra o livro” e que “o livro celebra permanentemente a resistência, celebra tudo menos o auto machado, a autocensura”.
Esta observação foi ao encontro da intervenção inicial de Maria do Rosário Pedreira, que transformou a frase “Não há machado que corte a raiz ao pensamento” (da autoria de Carlos Oliveira) em interrogação, para depois responder que “há”.
O crescimento da extrema-direita, o crescente policiamento e a cultura de cancelamento são alguns dos sinais que a escritora encontra para sustentar a sua afirmação.
Essa “praga denominada lugar de fala” foi a responsável por vários episódios que recordou, como a polémica da tradução de um poema de Amanda Gorman por uma escritora branca, a censura de um livro de Afonso Reis Cabral nos Estados Unidos, ou a proibição de livros como “A Bela adormecida” em escolas espanholas por causa de um beijo não consentido.
“Passaram 25 anos das primeiras correntes e 50 do 25 de Abril, mas aqui, como no resto do mundo, ainda há machados que cortam a raiz ao pensamento”.
André Neves, conhecido no meio cultural do hip-hop como Maze, focou o mesmo tema, afirmando que “as novas ditaduras são perigosas, porque nos fazem acreditar que somos livres” e considerou que “são tempos estanhos, os da cultura de cancelamento”, que vira umas pessoas contra as outras.
Quase a fechar a mesa, o músico Sérgio Godinho cantarolou uns versos da canção “Quatro quadras soltas”, que diz sempre cantar no 25 de Abril, para de seguida afirmar que nas intervenções anteriores da mesa já tinham sido “ditas coisas muito importantes” que evocam “o conteúdo deste poema”.
A cantora Amélia Muge fechou as intervenções cantando à capela um poema de Hélia Correia, do seu livro “A terceira miséria”.
*** A Lusa viajou à Póvoa de Varzim a convite da organização do Correntes d’Escritas ***
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Lusa/Fim