Os gregos antigos inventaram a democracia, mas às mulheres desse tempo não foi permitido deliberar, dirigir ou defender o Estado. Ficaram sem representação.
Ao homem foi reconhecido o estatuto de animal político, enquanto a mulher era um animal doméstico.
O cristianismo e os pensadores medievais, como Tomás de Aquino, viam a mulher como incoerente, incapaz de refletir, e no iluminismo, sobretudo com Jean-Jacques Rousseau, à mulher ficavam reservadas as frivolidades.
Somente com filósofos como Condorcet, que substituiu as leis da natureza pelos direitos humanos, houve lugar à igualdade e à emancipação da mulher.
Nestas condições as mulheres foram levadas a duvidar da sua legitimidade. Uma suspeição fundamental paira nas próprias democracias: não serão as mulheres, sem dúvida, incompetentes? Não serão elas, talvez, menos capazes?
«O poder das mulheres é um desafio para a democracia. As vicissitudes da paridade, os debates, os obstáculos, as resistências de hoje mostram que se trata de um projeto interminável. Dado que assenta nos princípios da liberdade individual e da igualdade natural, a democracia liberal moderna favorece a emancipação e abre espaço de oportunidades para todos e todas. A longa história da censura das mulheres — porque elas devem manter-se fora do político — faz parte da história da democratização do mundo. Não existe modernidade sem as mulheres. O insulto feito às mulheres sob a capa de filosofia nunca deve ser esquecido. Na época do #MeToo e de Kamala Harris, ler um pouco de Rousseau, de Tomás de Aquino, de Jean de Jandun e sobretudo de Aristóteles faz bem. Revigora. Recomendo-o a quem quer viver bem no século XXI», Giulia Sissa
Giulia Sissa, nascida em 1954 em Pavia (Itália), é filósofa e historiadora da cultura. Professora de Teoria Política e de Civilizações Clássicas na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, publicou, entre outros livros, L’ âme est un corps de femme (2000), Sexe et sensualité. La culture érotique des Anciens (2008) e La Jalousie. Une passion inavouable (2015).