O historiador Jorge de Alarcão nega, em livro, que uma espada exposta no Museu Militar do Porto, por alegadamente ter pertencido a D. Afonso Henriques, tenha sido algum dia manejada pelo fundador da nacionalidade.
Em 1578, as forças portuguesas comandadas por D. Sebastião foram derrotadas em Alcácer Quibir, norte de África, e a investida militar redundou em tragédia, tendo o próprio rei perecido em combate, o que lhe valeu o cognome “O Desejado” e deu origem a mitos em torno do seu eventual regresso à pátria.
“Ao preparar a expedição a Alcácer Quibir, [o monarca] pediu ao prior de Santa Cruz que lhe cedesse a espada do fundador, religiosamente guardada no mosteiro”, afirma Jorge de Alarcão no livro “Memórias de Coimbra”, que vai ser apresentado na Casa Municipal da Cultura da cidade, no dia 07 de outubro, às 15:00.
O professor universitário, de 88 anos, disse à agência Lusa que D. Sebastião “pediu a espada emprestada” aos responsáveis do Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra.
“Os cónegos caíram na asneira de lha emprestar”, referiu, para assegurar que a lendária arma de aço do primeiro rei de Portugal terá desaparecido no campo de batalha, tal como o seu utilizador.
Depois, os religiosos de Coimbra, “não querendo reconhecer que tinham perdido a espada, inventaram uma história”, alegando que D. Sebastião “ter-se-ia esquecido dela na nau em que navegava” e acabou por não a usar em Alcácer Quibir.
Reunidos em capítulo, os cónegos tinham autorizado a cedência na “condição de a espada voltar ao mosteiro”, atualmente classificado como Panteão Nacional, onde está sepultado D. Afonso Henriques.
“Esta espada é provavelmente do século XIV”, disse à agência Lusa Jorge de Alarcão, professor jubilado da Universidade de Coimbra (UC).
No livro, realça que Mário Barroca, seu colega da Universidade do Porto, “demonstrou que a espada, pelas suas características, não pode ter sido feita no século XII” e que terá sido concebida entre 1578 e 1609, “para substituir a autêntica, mas perdida”.
“A questão de saber se a espada do Museu Militar do Porto é, ou não, a verdadeira espada de D. Afonso Henriques pode considerar-se hoje resolvida”, concluiu o autor na nova obra, editada pela Lápis de Memória com apoio da Câmara Municipal.
“Memórias de Coimbra”, segundo o arqueólogo, “é um livro sério, mas mais acessível ao comum das pessoas que gostam de história”.
Neste trabalho, entre outros assuntos, Jorge de Alarcão procura saber quem construiu e viveu na Casa da Nau, um edifício de inspiração manuelina, de 1530, que acolhe atualmente a república de estudantes Prá-Kys-Tão.
“É um excelente exemplar da arquitetura doméstica da Renascença. É pena estar num estado de tão grande degradação”, lamentou.
Quem lá viveu no início foi D. Lopo de Almeida, sobrinho de D. Garcia de Almeida, primeiro reitor da UC, que residia mais abaixo, na Couraça da Estrela, num palácio que já não existe, no local onde funcionou o Governo Civil.
Segundo o historiador, Lopo de Almeida era também sobrinho-neto do bispo de Coimbra D. Jorge de Almeida, que na época habitava igualmente na Alta, quando o escultor João de Ruão construiu a Porta Especiosa, uma entrada lateral da Sé Velha talhada em calcário branco macio.