Partilhar

Peter Handke e “Tempestade ainda” da ocupação nazi estreia-se hoje no Teatro Aberto

O escritor Peter Handke regressa às suas raízes, no Sul da Áustria, para falar da Segunda Guerra Mundial, da anexação nazi, da condição humana, uma “Tempestade ainda” que o Teatro Aberto estreia hoje, em Lisboa.

15 Dezembro 2023
Forever Young

Tudo se passa na paisagem montanhosa de Caríntia, na Áustria meridional, na região dominada pela língua alemã onde o escritor nasceu, em dezembro de 1942, e no tempo em que nasceu, em pleno conflito mundial, sob domínio das forças de Hitler, avança a Lusa.

Handke toma por referência a família, vinda da minoria eslovena – os avós maternos, a mãe e os irmãos desta -, convoca-os, entre realidade e ficção, entre figuras reais e imaginadas, para que falem da opressão nazi e dessa verdade.

A proibição de falarem a língua materna, o esloveno, a obrigação de os homens partirem para a guerra em defesa da Alemanha de Hitler, e a resistência à anexação nazi ocorrida em 1938, feita a partir das montanhas pelas brigadas de ‘partisans’, estabelecem a ação de cada um dos cinco atos da tragédia.

“Tempestade ainda” é “uma tempestade contra a história, contra a história como ideia de progresso”, disse Peter Handke ao jornal Die Zeit, em novembro de 2010, quando concluiu a obra.

Ao misturar factos com recordações e ficção, o escritor, que foi Prémio Nobel da Literatura em 2019, homenageia os seus ascendentes, carregando para o palco acontecimentos que foram esquecidos ou ofuscados pelos livros de História, como afirmou à Lusa o encenador João Lourenço, no final de um ensaio de imprensa de “Tempestade ainda”.

Publicada em setembro de 2010 e estreada em agosto do ano seguinte, no Festival de Salzburgo, a peça põe em palco duas famílias: uma eslovena que colabora com os alemães e outra que se opõe a eles.

Em “Tempestade ainda”, dois irmãos da mãe de Handke, o cronista da peça, partem para a guerra com uniforme nazi e morrem na frente, enquanto ela engravida de um alemão, com quem depois vem a casar e que adota o autor. Na ficção, outros dois irmãos juntam-se à resistência.

Para João Lourenço, Peter Handke mostra todo o seu amor pela controvérsia vivida na região da Caríntia pelos seus habitantes, que foram “os únicos austríacos a revoltarem-se contra o Terceiro Reich”.

A atitude britânica, assente no modelo do imperialismo inglês, também não passa incólume. Quando as tropas aliadas chegaram à região, na última fase do conflito, os britânicos “portaram-se pior do que nas suas ex-colónias”, escreve o autor.

O título “Tempestade ainda” (“Immer noch Sturm”, no original) tem origem na didascália (indicação) “Storm still” usada por Shakespeare na abertura da segunda cena do terceiro ato de “Rei Lear”, uma peça de que Handke traduziu sequências para a produção do encenador e realizador suíço Luc Bondy, estreada em Viena em 2007.

João Lourenço e Vera San Payo de Lemos, responsável pela dramaturgia de “Tempestade ainda”, queriam fazer uma peça do escritor austríaco, assumir o desafio que mostrasse “a beleza e poesia da linguagem de Handke, a história dele e por que motivo vai às origens”.

“Éramos para fazer isto há dois ou três anos e acabámos por não fazer. E hoje, infelizmente, com todas as guerras, a Segunda Guerra Mundial torna-se muito atual”, fundamentou o encenador.

Para João Lourenço trata-se de um “reencontro feliz” com um autor cuja escrita e produção para cinema foi acompanhando sempre, mas no qual não voltou a tocar desde que, em 1972, encenado por Fernando Gusmão, interpretara “Insulto ao público”, com Rui Mendes, Irene Cruz, José Morais e Castro e José Messias. Foi no antigo Grupo 4, companhia que viria a estar na base do Novo Grupo – Teatro Aberto, em 1982.

Ao ler esta tragédia – que Peter Handke configura em tragédia, onde não faltam sequer os clássicos cinco atos deste género dramático –, João Lourenço resolveu voltar ao autor que, ao longo de toda a obra, tem abordado a figura da mãe.

“A mãe de Handke, uma atriz amadora da Caríntia, está em toda a obra do escritor, assim como vai estar no palco, pois ele convoca-a ao longo da peça, dialogando sempre com ela, incluindo quando ela ainda o traz na barriga”, sublinhou o encenador.

A cadeia de acontecimentos associados ao passado de Handke surge em obras iniciais, como “Wunschloses Unglück” (“Infortúnio indesejável”, em tradução livre), de 1972, em que aborda o suicídio da mãe, ocorrido no ano anterior.

Em 1986, retomou a história da família em “A Repetição” (título da edição brasileira), ligando-a pela primeira vez ao movimento de resistência eslovena, no sul da Áustria, “drama real” que retoma em 1997, em “Zurüstungen für die Unsterblichkeit” (“Ligações à imortalidade”, em tradução livre) e em “A noite do Morava”, de 2008, romance publicado há dois anos em Portugal pela Relógio d’Água, passado num cenário posterior a uma imaginada nova guerra mundial.

“A minha mãe sempre me falou muito sobre os mortos, sobre os irmãos que ela amava e que morreram na guerra”, disse Handke ao jornal Die Zeit, na entrevista de novembro de 2010. “A vida dos mortos sempre me absorveu. O meu primeiro romance, ‘Die Hornissen’ [“As vespas”, em tradução livre], é baseado numa história que ela me contou.”

A crítica internacional vê na abordagem das origens eslovenas de Handke, e na experiência de guerra da família, uma ligação às suas posições controversas e contestadas sobre os Balcãs e a desintegração da antiga Jugoslávia.

“Talvez possam ser vagamente explicadas, se não perdoadas, como parte da necessidade de Handke de ser inconveniente e errado, aquele impulso de descobrir o ninho de vespas e de ser picado”, escreveu o autor irlandês Hugo Hamilton, no jornal britânico The Guardian, quando da atribuição do Nobel da Literatura ao escritor austríaco, em 2019.

“Tempestade ainda” tem versão dramatúrgica de João Lourenço e Vera San Payo de Lemos, que também são responsáveis pela encenação e dramaturgia, respetivamente.

A peça é interpretada por Carolina Picoito Pinto, Crista Alfaiate, João Pedro Vaz, Luís Barros, Manuel Sá Pessoa, Mia Henriques, Sérgio Praia e Susana Arrais, e conta com os músicos Carlota Ferreira e Ernesto Rodrigues.

Renato Júnior assina a direção musical enquanto a direção do coro é de João Paulo Santos.

O cenário é de João Lourenço e os figurinos de Marisa Fernandes.

“Tempestade ainda” vai estar em cena na sala Azul do Teatro Aberto, em Lisboa, até março de 2024, com récitas à quarta e quinta-feira, às 19:00, à sexta-feira e sábado, às 21:30, e, ao domingo, às 16:00.

 

Mais Recentes

Seis erros comuns na escolha de probióticos (e como evitá-los)

há 37 minutos

Hoje, o universo tem uma mensagem importante para estes 4 signos

há 48 minutos

easyJet celebra aniversáriocom descontos especiais

há 1 hora

Mais de 4 mil euros: é o que esta agência espacial vai pagar a quem aceitar ficar 10 dias na cama

há 2 horas

Pombos-correio para o marketing? A E-goi lança o Pidgital

há 2 horas

Todo o cuidado é pouco: este é o eletrodoméstico com maior risco de incêndio

há 2 horas

Em direto: XXVIII Conferência Executive Digest – “Qual o contributo de Portugal para o Plano Draghi?”

há 2 horas

Opinião: «A importância da colonoscopia no rastreio do cancro colorretal», Diogo Libânio, gastrenterologista

há 15 horas

Fãs de moda: o programa de consultoria e dicas de estilo está de volta

há 17 horas

Nunca mais deite fora o caule deste vegetal: «é um tesouro nutricional»

há 18 horas

Cientistas revelam: «o consumo regular deste peixe ajuda a evitar o cancro»

há 18 horas

Nem 5 nem 10: especialista revela quantas vezes por dia uma pessoa saudável deve urinar

há 18 horas

Parkinson: este sintoma nasal pode indicar a doença anos antes do diagnóstico

há 19 horas

«Já não compro: apesar de saudável, é uma aberração», refere famoso jornalista sobre este alimento

há 19 horas

Depois de descoberto de que é feito o açúcar mascavado, especialistas deixam alerta

há 19 horas

Saiba quais os alimentos que não podem faltar na despensa para sobreviver a uma guerra

há 20 horas

Nem Espanha nem França: este país de 600 habitantes é o maior consumidor de vinho

há 20 horas

Pele desidratada na menopausa: como resolver a situação

há 20 horas

Vitamina C: essencial depois dos 50 anos e as razões são estas

há 21 horas

É temido pelas mulheres depois dos 45: saiba como tratar o código de barras

há 21 horas

Subscreva à Newsletter

Receba as mais recentes novidades e dicas, artigos que inspiram e entrevistas exclusivas diretamente no seu email.

A sua informação está protegida por nós. Leia a nossa política de privacidade.