“Até agora, o café que permanecia durante demasiado tempo podia receber uma ‘penalização por antiguidade’, o que provocava um ligeiro aumento na despesa dos produtores. Para evitar situações em que a comercialização do café atingia preços inferiores ao normal, os comerciantes retiravam o café do armazém para ‘recertificar’ ou vendiam-no fora do mercado contratual”, explicou o analista da XTB Vítor Madeira, numa nota a que a Lusa teve acesso.
Desde 01 de dezembro esta prática deixou de ser permitida, o que levou muitos agentes a optar por reduzir os ‘stocks’, evitando uma penalização.
Conforme apontou, os preços do café desceram ao longo do ano, mas, em outubro, verificou-se uma quebra desta tendência.
Porém, ainda não é certo que os aumentos vão permanecer.
A tendência poderá manter-se com a entrada em vigor da nova legislação, o que pode fazer o preço disparar 20% nos próximos meses.
Contudo, “ainda há esperança que os preços do café se mantenham”, referiu Vítor Madeira, ressalvando que tal depende do comportamento dos principais produtores de café.
A isto soma-se a “reação das colheitas dos países que registam uma maior produção”, sobretudo os localizados na América do Sul, devido ao fenómeno climático El Niño.
“Caso estas duas variáveis tenham um impacto pouco significativo, a produção de café mundial em 2024 poderá atingir os 174 milhões de sacas previstas pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos em junho, o que permitiria ao mercado descer os preços atuais”, referiu.
Em resposta à Lusa, o analista da ActivTrades Mário Martins esclareceu que, com as novas regras, a principal consequência será “a maior clareza da qualidade dos grãos” que estão em armazém.
Conforme apontou, o contrato com entrega em março de 2024 está ao mesmo preço de julho (177 dólares), depois de ter chegado a mínimos de 144 dólares.
“O preço atual está sob pressão depois de um aumento da produção de café do Brasil (maior produtor mundial) de um milhão de sacos no mês de outubro em relação ao período anterior”, disse.
Já o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa, sublinhou, em resposta à Lusa, que o café guardado nos armazéns vai perdendo qualidade ao longo do tempo, sendo penalizado pela sua antiguidade pela bolsa New York Board of Trade/ICE.
A penalização pode atingir até 10 ou 20 cêntimos, quanto mais velho for o café.
“Assim, muitos produtores para não perderem dinheiro e venderem o seu café a preços mais baixos, retiravam o café dos armazéns da ICE e voltavam a tentar certificá-lo com uma idade mais recente, semelhante à de um café recente e fresco, ou procuravam vendê-lo fora de bolsa. Esta é uma das principais razões para a forte diminuição dos ‘stocks’ de café Arábica junto da ICE”, constatou.
Paulo Rosa lembrou que existem duas variedades a liderar o cultivo da produção cafeeira mundial – arábica e robusta.
A variedade arábica é a referência global na produção, exportação e ‘stocks’, com 60% da produção mundial, enquanto os restantes 40% correspondem à variedade robusta.
“O café é um relevante produto agrícola, sendo o mercado cafeeiro relativamente importante nos mercados financeiros, nomeadamente dos produtos agrícolas, mas ao contrário das ‘commodities’ energéticas, tais como o petróleo e o gás natural, e dos metais industriais, como o cobre ou o ouro, o café é perecível, tal como outros produtos agrícolas como trigo, milho e soja. Assim, manter os ‘stocks’ em bom estado de conservação não é uma tarefa fácil”, defendeu.
Os grãos de café são certificados e depois mantidos em armazéns para serem entregues aos compradores de contratos futuros.
Segundo o economista, a cotação de 435 gramas (uma libra) de café arábica ronda os 190 cêntimos de dólar na bolsa de mercadorias de Nova Iorque.
O máximo do ano foi registado em meados de abril e corresponde a 207 cêntimos de dólar.
Com o baixo nível do ‘stock’, haveria o risco de um agravamento no preço.
No entanto, o café que não é vendido em bolsa vai abastecer as empresas de torrefação e os consumidores.
“Há excesso de oferta, por isso os preços não têm subido”, notou, acrescentando que, com o regresso dos ‘stocks’ à bolsa, “os preços dever-se-ão manter estáveis”.
A Lusa contactou a Associação Industrial e Comercial do Café (AICC), que explicou não poder pronunciar-se sobre questões relativas a preços futuros por questões de Direito da Concorrência.