São poucos os casos em que há endometriose sem dor. A dor acaba por ser, como explica Susana Fonseca, presidente da MulherEndo, “quase uma definição de endometriose: é o seu principal sintoma e está presente em diversos aspetos da vida da mulher, não só física, como também psicológica”. Mas ainda assim, não define a doença e não define a mulher que enfrenta esta experiência dolorosa. É este o fio condutor de uma campanha a lançar em março, Mês de Sensibilização para a Endometriose, uma iniciativa da Sociedade Portuguesa de Ginecologia e da MulherEndo, com o apoio da Gedeon Richter.
Sob o mote “A Minha Dor Não Me Define”, a campanha visa promover a sensibilização para o impacto que a endometriose, e a dor que a acompanha, tem na vida e no bem-estar das mulheres. Uma dor que, explica Susana Fonseca, não define quem tem endometriose “porque, efetivamente, apesar de tudo, esta doença também acaba por trazer muita resiliência às doentes e a procura de uma melhor qualidade de vida e de novas estratégias, de novas abordagens para contrariar essa dor e para a tentar mitigar”.
Mas é uma dor que pesa, que limita, que impede. “Há muitos tipos de dor e há muitas designações de endometriose como sendo a dor dos 4D, dos 5D e cada vez vamos descobrindo mais dores”, explica Irina Ramilo, ginecologista e membro da Sociedade Portuguesa de Ginecologia. “Temos muitos locais de dor associada à endometriose: temos a dismenorreia, que é a dor na menstruação; a dispareunia, a dor nas relações sexuais; a disquezia, a dor quando se evacua; a disúria, que é a dor quando se urina… Logo, quando nós falamos de endometriose, a dor é o principal sintoma e o principal motivo que leva a mulher a uma consulta na suspeição de patologia.”
A endometriose é uma doença ginecológica, muitas vezes debilitante, que afeta milhões de mulheres em todo o mundo, com um impacto difícil de quantificar, que se manifesta através da dor. “E um dos mitos mais enraizados na nossa sociedade é que ter dor menstrual é normal. Isso é passado de geração em geração: a avó tinha, a mãe tinha, logo dizem-nos que isso é normal e não se procura uma causa para essa sintomatologia, quando é incapacitante”, refere Susana Fonseca. Uma normalização que acaba por contribuir para que, durante anos, as mulheres sofram em silêncio, sem um diagnóstico.
Mas há outros problemas que as mulheres, mesmo depois de diagnosticadas com endometriose, continuam a ter de enfrentar. Embora existam excelentes equipas em Portugal, “falta um acompanhamento digno e adequado em hospitais no Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, alerta Susana Fonseca. “A endometriose é uma doença crónica, incapacitante, mas, com um protocolo adequado, pode ser contornada e podemos devolver qualidade de vida às doentes. Para isso, é preciso uma equipa multidisciplinar, um acompanhamento muito apertado e individualizado.”
De acordo com a presidente da MulherEndo, aquilo que se oferece atualmente é o que se chama de “penso rápido. Em muitos locais não se fazem exames complementares adequados para perceber onde é que está a doença, não se oferece a multidisciplinaridade no tratamento, que deve incluir nutrição, psicologia, fisioterapia do pavimento pélvico e outras valências muito importantes no controlo da sintomatologia. Muitas vezes, a única coisa que se faz é a prescrição de fármacos, que são, sem dúvida, importantes, mas que têm de fazer parte de um tratamento mais holístico. Porque se nós conseguirmos oferecer isso às doentes, elas vão, efetivamente, recuperar muita da sua qualidade de vida e, consequentemente, cumprir as suas ambições em termos sociais, reprodutivos, de mercado de trabalho, etc.”. É um facto que o diagnóstico continua a ser tardio, que Irina Ramilo justifica por não se tratar de “uma doença linear, a sintomatologia ser sobreponível à de outras doenças e de nem sempre todos os aspetos da sintomatologia estarem presentes”. Algo que tem consequências. “Claro que se nós fizermos o diagnóstico mais tarde isso pode significar, para a mulher, mais repercussão da doença, ou seja, mais aderências, mais dor associada, mais fibrose, mais dificuldade em engravidar.”
Por isso, “é importante alertar as mulheres para que procurem um ginecologista para avaliar a possibilidade da doença”.
Desafiar o estigma da dor
Quebrar o silêncio em torno da dor associada à endometriose é o foco desta campanha, que visa ainda aumentar o conhecimento e incentivar o diagnóstico precoce. Um conceito que coloca o foco não na dor, mas nas formas de a superar, algo que Sara Tarita, artista responsável pelo logótipo da campanha e mulher com endometriose, conhece bem. “Para mim, representa uma luta muito presente entre o reconhecer que existe (ou pode existir) uma dor e o não deixar que tome conta de quem sou. Tento que não me defina, procurando espaços onde sou mais que isso – na arte, escrita, relações que construo. Felizmente, a minha endometriose há muito que não me limita/bloqueia fisicamente, mas quando acontece, tento lembrar-me que sou mais que as minhas limitações”.
“Compreensão, acolhimento e sobretudo empoderamento” são os sentimentos que espera poder despertar com a imagem que criou. “Quero que possam olhar para ela e perceber que há uma comunidade que as vê e as compreende, que a dor não é invisível, nem invalida quem são. E, acima de tudo, que há vida para além dela.”
É certo que o caminho que a doença obriga a trilhar tem desafios, “mas a informação é a melhor arma para poder melhorar a qualidade de vida”.
Partilha de informação e conhecimento
A campanha inclui a talk “A Minha Dor Não Me Define”, um evento que vai decorrer no SelfCare Market & Summit, a 29 de março, na Cordoaria Nacional, em Lisboa, entre as 12h e as 13h30, no Palco A, moderado pela sexóloga Tânia Graça e que contará com a presença da ginecologista Irina Ramilo e de Sara Tarita, enquanto testemunho de uma mulher que vive com endometriose.
E vai ainda marcar presença na Endomarcha, também no dia 29 de março, no Parque das Nações, através da distribuição de lenços a todos os participantes.