São vários os medos e pensamentos que passam pela cabeça de quem faz um procedimento estético. A Margarida Cortez, especialista em Medicina Dentária e Harmonização Facial, quer simplificar estes tratamentos e desmistificar alguns medos, tendo falado connosco sobre o tema.
Por Sandra M. Pinto
Margarida Cortez é uma médica cuja profissão vai muito além da medicina dentária e harmonização facial, e é junto dela que fomos conhecer mais sobre os procedimentos que têm vindo a ganhar cada vez mais popularidade nos dias de hoje.
De que forma analisa a evolução da preocupação das pessoas com o seu aspeto?
Vejo sobretudo que hoje as pessoas são muito críticas consigo mesmas, por não corresponderem a alguns padrões de beleza um pouco desajustados à realidade. Existe no geral uma busca desenfreada das pessoas para corresponder a algo que não existe na natureza. Uma pele impecável, sem poros visíveis, sem rugas, sem marcas, um sorriso perfeito (que muitas vezes as descaracteriza), dentes incrivelmente brancos, um corpo de sonho sem estrias, sem celulite. E ao mesmo tempo sinto que existe um movimento oposto, uma aceitação do estado físico atual de braços cruzados, desresponsabilizando o autocuidado. Como se nada houvesse a fazer: “Sou como sou, sinto-me mal, sinto-me envelhecida, sei que estou desleixada, mas é mesmo assim, não há nada a fazer, tenho os dentes desgastados, é da idade…”
Neste momento em Portugal vejo que existem muito estes dois extremos, falta um pouco mais de autoaceitação por um lado e por outro a desmistificação de que fazer algo para melhorar o aspeto e para dar um boost na autoestima não significa não se aceitar como é ou a idade que tem.
Até que ponto essa evolução foi impactada pelas redes sociais?
As redes sociais permitem-nos um acesso muito rápido e até involuntário a diversos padrões de beleza que a indústria nos impõe. Isto leva as pessoas inevitavelmente a compararem-se diariamente umas com as outras e a procurarem tratamentos para reproduzir padrões de beleza irreais ou por simplesmente não se aceitarem como são.
Se por um lado as redes sociais têm um impacto positivo de poder desmistificar o autocuidado e dar a conhecer às pessoas os tratamentos disponíveis para as ajudar nesse processo, por outro lado fomentam uma busca irreal pela perfeição, e levam as pessoas a procurarem tratamentos estéticos pelas razões erradas.
A utilização de filtros altamente tentadores que eliminam todas as imperfeições, deixando as pessoas frustradas e infelizes quando se veem num espelho real.
O que se torna perigoso para a saúde mental.
É preciso ter cuidado com isto e com as expectativas irreais que as pessoas criam para a sua vida e para o seu aspeto exterior.
Cada vez mais, penso que é importante reeducar as pessoas na sua autoestima, para que não vivam numa frustração e autocritica constantes por comparação a modelos estéticos que não existem na vida real.
Nas redes sociais cada vez mais figuras públicas e Influencers procuram desmistificar o culto da mulher perfeita, expondo as suas rotinas de autocuidado e inspirando outras pessoas a cuidarem de si. Este é para mim um aspeto positivo das redes sociais.
De que forma a pandemia Covid 19 se refletiu na forma como nos vemos a nós próprios?
Na verdade, na minha experiência clínica e pessoal fiquei surpreendida ao ver que a procura por tratamentos estéticos dentários ou faciais não diminuiu. Se por um lado estivemos muito tempo com o rosto parcialmente coberto com máscara, seria expectável algum desleixe com o aspeto estético, por outro lado as pessoas passaram mais tempo em casa e olharam mais para si mesmas retomando aspetos de autocuidado que habitualmente deixavam para trás.
Ainda existem medos e receios em fazer tratamentos estéticos?
Sim, existem ainda muitos receios e sobretudo preconceitos acerca destes tratamentos.
Quais e porque acontecem eles?
Penso que em Portugal existe uma desinformação generalizada acerca destes tratamentos. E também muitos preconceitos associados a eles: “Quem faz tratamentos estéticos é porque não se aceita como é; quando se faz tratamentos estéticos nota-se sempre, fica sempre artificial; já és bonita não precisas disso, temos de aceitar a idade que temos, etc.”.
Na minha visão, a maioria dos receios e preconceitos surge pelo facto de ainda ser um assunto tabu em Portugal. Tanto entre homens como mulheres. As pessoas têm medo de serem julgadas e mal vistas por fazerem tratamentos estéticos, têm medo de contar aos maridos e às amigas porque receiam o seu julgamento. Sentem-se mais seguras se fizerem estes tratamentos secretamente e preferem que os outros pensem que o seu ar bonito, natural e jovem acontece sem qualquer intervenção.
Tenho pacientes que me dizem:” O meu marido não acreditou que fiz botox, disse que teria ficado esquisita e artificial e não fiquei! Só quando lhe mostrei as fotografias antes e depois, é que percebeu”; “Eu tenho de vir sempre a esta hora porque o meu marido não pode saber que faço isto” ou “A minha amiga não pode saber que fiz isto.”
Quando estes tratamentos forem socialmente aceites como uma rotina de autocuidado, como são por exemplo no Brasil, onde a aplicação de botox ou ácido hialurónico é tão comum como ir à consulta de higiene oral ou cortar o cabelo, nem se questiona e todos vão.
É principalmente o secretismo dos tratamentos com resultados naturais que gera estes receios. No geral só se fala dos tratamentos exagerados e com resultado artificial. Quando muitas vezes os resultados exagerados são uma escolha pessoal do paciente.
Os resultados de sucesso naturais, graduais, que impactam diariamente a autoestima dos pacientes não são falados e são melhorias tão graduais e discretas que não se percebe o que foi feito.
Para mim isto é harmonização facial de qualidade.
Falta mais e melhor informação sobre o tema?
Sem dúvida, falta desmistificar!
Sinto que faltam mais pessoas admitirem com naturalidade que realizam tratamentos estéticos. Em Portugal a mentalidade é um pouco antiquada no geral e quando alguém consegue algo de bom para si, não quer revelar aos outros como conseguiu ou o que fez. De certa forma, sinto que isto se reflete também na área estética. Uma mulher muito bonita não quer que ninguém saiba o que faz para se manter bonita. É motivo de grande orgulho dizer às amigas: “Nunca fiz nenhum tratamento estético”. É raro alguém admitir sem reservas ter feito um branqueamento dentário, ter colocado facetas, ter preenchido o lábio com ácido hialurónico ou ter feito botox. A maioria das pacientes guarda segredo sobre os seus tratamentos por medo do julgamento dos outros. “O meu marido não pode saber” ou “não diga à minha amiga que eu cá vim” são frases que ouço bastante. Este sigilo existe por receio do que os outros vão dizer, quando “os outros” têm muitas vezes falta de informação e uma ideia errada destes tratamentos.
Mas a pouco e pouco também sinto que esta mentalidade está a mudar.
Hoje quais são os tratamentos mais procurados?
Apesar de existirem muitas opções hoje em dia, a toxina botulínica (Botox®) e o ácido hialurónico ainda são os mais procurados.
Por quem?
Mais mulheres acima dos 25, mas começam a surgir cada vez mais homens.
Comparando com o sector é hoje ele mais seguro do que há 10 ou 15 anos?
Sim, vão surgindo cada vez mais estudos e follow ups mais longos dos tratamentos ao longo do tempo. Hoje há mais conhecimento, técnicas e dispositivos cada vez mais seguros para aplicação dos produtos.
Há uns anos realizavam-se tratamentos com preenchedores definitivos, que apenas se poderiam remover cirurgicamente deixando cicatriz, hoje em dia já não se usam estes produtos. Utilizamos produtos reabsorvíveis e biocompatíveis que conferem resultados mais naturais e têm uma baixa taxa de efeitos adversos.
Qual é hoje o padrão de beleza?
Rosto oval, mas não arredondado, lábios proeminentes, pele imaculada, sobrancelhas arqueadas, maçãs do rosto salientes e bem marcadas, dentes extremamente brancos, queixo marcado, e linha mandibular bem delineada. Este padrão de beleza é geral, no entanto em Portugal ainda somos conservadores e a maiorias das pessoas ainda prefere um resultado que sinta como seu e natural do que um resultado perfeito, e ainda bem!
Mas a verdade é que quem não tem esse padrão corre o risco de sofrer por isso mesmo. De que forma se lida com as pessoas angustiadas com essa situação?
As pessoas no geral precisam muito de validação externa, isto é, de um reforço positivo que venha do exterior tanto para se aceitarem como são como para se “autorizarem” a realizar tratamentos. Porque não confiam em si mesmas. Atualmente, só se consideram bonitas se corresponderem ao padrão ditado pela sociedade.
Para mim esse padrão serve apenas para dar guidelines estéticas, mas não o considero um protocolo absoluto.
Existe beleza na imperfeição e essa beleza deve ser respeitada! Cada paciente deve ser visto como único. A mesma situação pode favorecer um rosto e desfavorecer outro.
Pessoas fragilizadas que procuram sucessivamente tratamentos sem indicação estética, têm em geral um síndrome de baixo valor e baixa auto estima. Estas pessoas devem ser encaminhadas para um profissional que as possa apoiar na vertente emocional e psicológica.
É importante o profissional ser perfeitamente transparente perante a pessoa que procura os seus serviços?
Sempre! É crucial uma boa comunicação entre o médico e o paciente. Na minha primeira consulta passo cerca de 1 hora apenas a conversar com o paciente, para o conhecer e entender as suas motivações, o que procura obter com estes tratamentos e também as suas expectativas.
É muito importante que o paciente comunique exatamente o que incomoda e é preferível que o profissional não interfira com o seu gosto pessoal. É importante que o profissional esclareça todas as dúvidas e seja transparente e objetivo quanto às possibilidades de atingir ou não os objetivos pretendidos.
Além dos objetivos pretendidos é muito importante que o médico e o paciente estejam alinhados nos resultados pretendidos e também na gestão de expectativas porque nem tudo é possível com estes tratamentos.
Costumo dizer que existem 3 tipos de pacientes:
1. O paciente que vai à consulta com um problema específico focado em resolver apenas esse – neste caso o profissional deve ser transparente e frontal quando às possibilidades de chegar ao objetivo pretendido.
2. O paciente sem nenhuma queixa específica que vem saber uma opinião, de como melhorar, neste caso é importante perceber quais as suas queixas e sugerir os tratamentos que mais se adequem.
3. Os pacientes que procuram sobre tratamentos, por vezes sem indicação motivados por razões erradas e fraca autoestima, nestes casos é importante o profissional não ceder a realizar tratamentos que não sejam seguros ou eticamente recomendáveis encaminhando para um profissional de saúde mental.
Falemos um pouco da Margarida. Como surgiu o seu interesse por esta área?
Sempre aprendi que devemos seguir o que deixa os nossos olhos a brilhar e o que nos diverte. Desde que tive contacto com a reabilitação estética de sorrisos no fim do curso de medicina dentária e vi num congresso a forma como isso impactava a autoestima e a vida das pessoas, que percebi que era isso que queria fazer para sempre.
Tudo o que fosse melhorar aspeto geral das pessoas e fazê-lo corresponder às suas expectativas sempre me apaixonou. Cheguei a fazer a minha tese de mestrado sobre esse tema “Sorriso estético: do ideal ao real – Uma análise das expectativas da população jovem”.
Quando em 2012 fiz o meu primeiro curso de harmonização facial fiquei encantada com as possibilidades que isso acrescenta à prática clínica e à minha contribuição para a autoestima dos meus pacientes. Hoje em dia os pacientes sentem que adoro o que faço e isso transmite-lhes confiança no meu trabalho. A minha assistente diz que pareço uma criança num parque de diversões quando vou realizar tratamentos estéticos, isto para mim significa que estou no caminho certo.
É a Margarida fã de tratamentos estéticos?
Sou fã de tudo aquilo que me permita sentir cada vez melhor e mais feliz comigo mesma e os tratamentos estéticos são de facto uma ferramenta valiosa ao nosso dispor para esse fim. Mediante a indicação certa, porque não? Sem exageros!
Medicina dentária e harmonização facial, o que prefere?
Gosto muito das duas! Hoje em dia não consigo separá-las, olhar para um sorriso e ver apenas os dentes já não me faz sentido. É a componente estética em que posso personalizar e dar um toque pessoal que me fascina em ambas as áreas.
De que forma convivem as duas áreas?
Estão muito ligadas. Além de existirem indicações terapêuticas de tratamentos como o botox® (que está indicado por exemplo em alguns quadros de bruxismo) existe também a componente estética. Quando reabilitamos um sorriso interferimos indiretamente com outros aspetos do rosto, como o perfil da face, projeção e contorno labial, dimensão vertical e outros fatores que nos permitem dar um aspeto mais jovem ou mais envelhecido ao rosto, mais delicado ou mais grosseiro. A harmonização oro facial é um excelente complemento a uma reabilitação estética, permite-nos compensar esteticamente alterações funcionais que desagradam o paciente, devolvendo vitalidade e jovialidade também aos tecidos periorais e ao restante rosto.
O que a apaixona nesta profissão e qual a missão que a faz seguir em frente?
Sempre tive um sentido estético muito apurado e uma necessidade quase mais forte que eu, de melhorar tudo o que puder ser melhorado.
O que me apaixona nesta profissão é a possibilidade de aplicar a visão de beleza individualizada que tenho do rosto de cada paciente e conseguir otimizá-la de acordo com a sua personalidade.
Ao entender o que deixa os pacientes desconfortáveis e conseguir aproximá-los não de um padrão de beleza geral, mas otimizando o que os torna únicos é possível ativar um ponto interno de poder pessoal que eleva a pessoa em todas as áreas da sua vida.
Ao tornar as pessoas mais bonitas e mais confiantes, contribuo para o seu empoderamento pessoal, isto é muito especial e muito gratificante.