As doenças cardiovasculares ocupam um papel de destaque em Portugal, pelos piores motivos. Estas doenças referem-se a problemas que acometem o coração e os vasos sanguíneos, sendo as mais conhecidas do grande público o acidente vascular cerebral (AVC) e o enfarte do miocárdio ou ataque cardíaco.
Estão associadas a diversos fatores de risco biológico, que passam pela hereditariedade, o sexo e a idade. Mas, além destes, são de considerar seriamente todos os fatores ambientais que podem ser evitados, como a alimentação inadequada, o sedentarismo, o alcoolismo e o tabagismo, por exemplo. Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, falou com a Forever Young e deixa alguns conselhos para minimizar os riscos.
As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte em Portugal. Como se explica uma incidência tão alta de doenças sobre as quais existe tanta informação?
Uma das principais causas é o excessivo consumo de sal, aliás muito superior ao consumo médio europeu. Pensa-se que este erro alimentar seja, em grande parte, responsável pelo elevado número de acidentes vasculares cerebrais (AVC) que atinge a população portuguesa, em contraste com os restantes países europeus, incluindo a vizinha Espanha, que tem uma incidência bastante mais baixa.
Podemos dizer que Portugal é o campeão europeu de consumo de sal e é, simultaneamente, o país com mais AVC que, saliente-se, constituem a principal causa de morte e incapacidade da nossa população. Sem dúvida, todas as medidas e programas específicos que ajudem os portugueses a reduzir o consumo de sal terão um impacto enorme numa maior esperança e qualidade de vida da nossa população. Por outro lado, nos últimos anos, tem vindo a desenvolver-se uma nova ameaça para a população portuguesa, em particular para os jovens, que é resultado do abandono progressivo da nossa tradicional dieta mediterrânica, que está a ser substituída pela denominada “fast food”, rica em calorias, gorduras saturadas, sal e açúcares, e pobre em fibra vegetal e micronutrientes essenciais. Não admira, por isso, que estudos recentes mostrem que as crianças portuguesas são as segundas da Europa com mais excesso de peso e obesidade, o que nos leva a prever um futuro agravamento da saúde da nossa população. Este drama da obesidade infantil é também explicado por outros estudos que mostram que a população portuguesa é a mais sedentária da Europa. São bem conhecidas as vantagens da atividade física regular, que pode passar por uma simples marcha diária, em passo rápido, com a duração de cerca de meia hora.
Como estão as doenças cardiovasculares a afetar a população acima dos 50 anos?
A importância das doenças cardiovasculares é enorme, se tivermos em conta que em Portugal, só no último ano, de um total de cerca de 100 mil óbitos, ocorreram mais de 30 mil mortes causadas por doenças cardiovasculares. A tendência dos últimos anos mostra uma ligeira redução da mortalidade devida a AVC e enfartes do miocárdio e, pelo contrário, um aumento dos casos de insuficiência cardíaca e de fibrilhação auricular. No seu conjunto, as doenças cardiovasculares são as patologias dominantes, sendo responsáveis por mais de um terço de toda a mortalidade da população portuguesa. No entanto, são doenças altamente evitáveis, através do estilo de vida saudável e do controlo dos fatores de risco.
Quais os sintomas que despertam nestas pessoas a necessidade de visitar um cardiologista?
O sintoma mais comum de ataque cardíaco é a dor no peito, que os doentes descrevem como um aperto, uma sensação de peso, uma queimadura, geralmente localizada na parte central do peito. Esta dor pode espalhar-se para o braço esquerdo, pescoço, maxilar inferior. Outros sintomas podem ser fraqueza súbita, sudação abundante, náuseas, vómitos, eructações, falta de ar, perda de conhecimento, tonturas e palpitações. Por vezes, os sintomas confundem-se com os de indigestão ou dor esofágica, levando o doente a ignorar os sintomas de ataque cardíaco, o que coloca a sua vida em risco.
Não nos podemos esquecer que a morte súbita é o primeiro sintoma em cerca de metade dos doentes que morrem de enfarte do miocárdio. Por isso, lembro sempre aos meus doentes que a “vacina” do enfarte do miocárdio e do AVC passa por seguir um estilo de vida saudável e controlar adequadamente os fatores de risco cardiovasculares.
Quando se suspeita que se está a sofrer um ataque cardíaco é vital procurar-se auxílio médico imediato, através de um telefonema para o 112, solicitando um transporte rápido e seguro para o hospital. É importante evitar cair no erro de ir no seu carro a conduzir ou pedir auxílio a um familiar ou amigo para o levar ao hospital, o que pode ser fatal, como já aconteceu no passado, nomeadamente, a figuras públicas em Portugal.
No que diz respeito ao AVC, a suspeita deve levantar-se quando há o aparecimento súbito de qualquer dos seguintes sintomas ou sinais suspeitos, em especial se surgirem em apenas um dos lados do corpo: falta de sensibilidade ou de força (paralisia) que afete a face ou um dos membros, seja um braço, uma perna ou os dois membros do mesmo lado do corpo; confusão mental súbita, dificuldade em falar ou em compreender; perda de visão num ou nos dois olhos; tonturas, falta de equilíbrio ou de coordenação dos movimentos ou da marcha; dor de cabeça intensa, não habitual, sem causa aparente.
Conhecer os sintomas e sinais iniciais de AVC é importante para possibilitar a intervenção do médico da urgência hospitalar, o mais rapidamente possível, o que pode ser decisivo. Hoje dispomos de modernos tratamentos que, para serem eficazes, devem ser administrados o mais precocemente possível.
De que forma podem as pessoas, ao longo da sua vida, prevenir o aparecimento de doenças cardiovasculares?
É essencial adotar um estilo de vida saudável (alimentação mediterrânica, atividade física regular e não fumar) e, em caso de necessidade, assegurar o controlo dos fatores de risco cardiovasculares com a ajuda do médico, nomeadamente a hipertensão arterial, o colesterol e a diabetes. É ainda imperativo que se tomem medidas urbanísticas, que tornem as cidades mais saudáveis, nomeadamente com a construção de espaços verdes, e incentivem a atividade física, o que depende em grande medida da iniciativa de políticos e autarcas esclarecidos.
De que forma a alimentação incorreta está na base de uma doença cardiovascular?
Infelizmente a alimentação portuguesa tem-se tornado cada vez mais desequilibrada e vindo a afastar-se da tradicional dieta ou alimentação mediterrânica. É notório que a nossa juventude está a comer cada vez mais fast food, alimentação demasiado rica em gordura saturada, sal, açúcar e calorias. Por outro lado, comemos cada vez menos cereais integrais, vegetais e fruta – ou seja, alimentos ricos em hidratos de carbono complexos, fibras vegetais e antioxidantes.
Esta progressiva mudança alimentar é o maior contribuinte para as principais causas de morte da população – as doenças cardiovasculares e o cancro – bem como de hipertensão arterial, diabetes, colesterol elevado, cirrose e também o recente e grave problema da obesidade.
Sendo a obesidade dos fatores de risco, por que razão considera que as pessoas continuam a comer mal?
Mais de um terço dos portugueses tem excesso de peso e cerca de um quinto é obeso, o que significa que mais de metade da população tem peso excessivo. A obesidade é o resultado de um estilo de vida pouco saudável, com ingestão excessiva de calorias e um dispêndio energético diminuto, devido a uma vida pouco ativa. O organismo armazena o excesso de calorias ingerido sob a forma de gordura corporal. Mas há outros fatores que têm influência na determinação do peso, como os genéticos, metabólicos e endócrinos.
A elevada prevalência da obesidade e dos riscos associados é, em grande medida, de causa ambiental e de estilo de vida. A urbanização crescente da sociedade, com um estilo de vida em que predomina o sedentarismo e uma alimentação demasiado rica em calorias, gordura animal e sal, tem conduzido a verdadeiras epidemias de obesidade, de hipertensão arterial, colesterol elevado e diabetes. Medidas urbanísticas que tornem as cidades mais saudáveis, com mais espaços verdes, e que incentivem a atividade física, dependem em grande medida da iniciativa de políticos e autarcas.