Num espetáculo dedicado ao pai, o também diretor artístico do Teatro Nacional São João (TNSJ) decidiu adaptar o livro, publicado em 1983. Os protagonistas são ex-combatentes que, reunidos, partilham as suas histórias e as suas reflexões sobre as suas vidas e sobre o Portugal antes, durante e depois da revolução do 25 de Abril.
“Achei que era absolutamente essencial trabalhar sobre este romance, porque era um desejo anterior e porque continuo a acompanhar a vida do meu pai e porque agora, com a idade que ele tem, a experiência que ele teve da Guerra Colonial acompanha muito do seu tempo, da sua reflexão”, disse à Lusa Nuno Cardoso, depois de um ensaio preliminar da peça, em fevereiro.
O encenador realçou que o texto de Lobo Antunes tem a característica “extraordinária” de existir numa “situação zero teatral”, com pessoas sentadas à mesa, numa refeição. “Isto é tudo construído como uma pirâmide ao contrário. Eles só estão a comer batatas com bacalhau. Eles só estão a beber champanhe. E eles só estão a beber whiskey. É fascinante. Para um criador, é fascinante tentar fazer isto”, referiu.
Para Nuno Cardoso, a Guerra Colonial permanece presente hoje, mesmo que não haja – ou não se queira – discussão sobre ela: “Acho que foi um ferro em brasa e um ferro em brasa marca, de uma forma muito violenta e para sempre. Toda a narração que existe sobre o 25 de Abril, sobre a nossa democracia, acho-a às vezes pouco vital, muito celebratória. A celebração ou o elogio normalmente não levam à discussão e a discussão representa o vigor das nossas crenças porque, se elas se cristalizam, rapidamente o discurso populista as pode deitar abaixo e nós damo-nos conta de que já não são crenças, são chavões que repetimos.”
Pela importância que atribui a “Fado Alexandrino”, à forma como o romance aborda uma verdade – entre outras – sobre Portugal nos últimos 50 anos e à sua história familiar e pessoal, Nuno Cardoso decidiu que seria esta a peça fundamental para assinalar a efeméride do 25 de Abril este ano.
O encenador reconhece que a obra de Lobo Antunes “não é um livro celebratório”.
“Nós temos 50 anos de silêncio para com a Guerra Colonial e os efeitos que teve nas pessoas que lá estiveram. Essas pessoas construíram a nossa democracia, muitas delas sentem-se agora abandonadas. Como não encarámos de frente o ato de agressão que foi a Guerra Colonial. Agressão aos nossos países-irmãos, agora irmãos, mas também a várias gerações. Se não medimos a consequência dos nossos atos, aquilo que representou na vida destas pessoas, não nos conhecemos a nós próprios. Se não nos conhecemos a nós próprios não conseguimos lutar pela democracia que criámos”, afirmou, sublinhando sentir-se “maravilhado e encantado” pelo Portugal de hoje, que é tão diferente daquele que saiu da ditadura – para melhor.
“Este livro não é meigo. As cenas que existem em Moçambique não escondem nada. E, portanto, como falar de Portugal sem isto? Como celebrar a nossa democracia sem isto? Será que o fado, o nosso fado, tem de ser sempre o percurso entre o Zeca [Afonso] e a Dulce Pontes? Nós somos filhos destas ações e perpetuamo-las na mesma e, portanto, temos de as discutir”, disse.
Para além de lhe permitir fazer um espetáculo com uma componente pessoal, o que preocupa Nuno Cardoso na criação de “Fado Alexandrino” para o teatro é ser indigno da obra em si.
“Fado Alexandrino”, para maiores de 16 anos, vai estar em cena no TNSJ até 28 de abril, sendo uma coprodução com o Centro Cultural de Belém (onde estará em 03 e 04 de maio), o Teatro Aveirense (09 de maio) e o Theatro Circo (24 e 25 de maio).
Com encenação, dramaturgia e adaptação cénica de Nuno Cardoso, a peça conta também com Fernando Villas-Boas na adaptação e dramaturgia, tem cenografia de F. Ribeiro e música de Peixe.
A interpretação é de Ana Brandão, António Afonso Parra, Joana Carvalho, Jorge Mota, Lisa Reis, Patrícia Queirós, Paulo Freixinho, Pedro Almendra, Pedro Frias, Telma Cardoso, Sérgio Sá Cunha e Roldy Harrys.
O TNSJ disponibilizou já um dossiê pedagógico sobre o espetáculo, convidando professores e alunos dos ensinos secundário e superior a assistirem à peça.
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Lusa/fim