Vinyl is back: o rei do analógico musical voltou em força

Nos últimos anos, o rei do analógico musical voltou às nossas vidas. Mas por que será que há tanta gente interessada, hoje, no vinil?

Os filhos dos nossos filhos nunca saberão o que é uma cassete. Até o conceito de compact disc (CD) parecer-lhes-á, provavelmente, pré-histórico, numa época dominada pela música digital, em que qualquer dispositivo ligado à internet permite o acesso instantâneo a milhares de músicas de todos os artistas do passado e do presente.

Mas, contrariando todas as expectativas que pudéssemos ter há não muito tempo, os filhos dos nossos filhos poderão vir a saber o que é e como interagir com o vinil, um formato que nos anos 90 já estava obsoleto, mas que, nos últimos anos, renasceu das cinzas e ganha cada vez mais popularidade. O regresso do vinil Nos últimos anos, o rei do analógico musical voltou às nossas vidas. Mas por que será que há tanta gente interessada, hoje, no vinil?

O vinil tornou-se o formato físico standard para a gravação de música no final dos anos 40, quando a Columbia Records lançou o seu primeiro 33 ⅓ RPM (rotações por minuto), fabricado em PVC. Neste formato, o som era gravado nas ranhuras do disco e transferido para a cabeça eletromagnética do gira-discos pela agulha, à medida que o disco rodava no prato.

Apesar deste sistema ter servido para aumentar significativamente o número de pessoas a ouvir música fora das emissões de rádio, com o aumento da mobilidade e o aumento das vendas de automóveis entre a classe média, a indústria percebeu que o vinil não respondia a uma nova necessidade: a portabilidade.

Foi por isso que, em meados dos anos 60, surgiram as cassetes de 8 Track, um formato com fita magnética que se tornou popular devido ao facto de ser uma forma conveniente de ouvir música no carro. No entanto, rapidamente as cassetes compactas, aquelas que todos temos na cabeça quando se fala sobre este formato, tornaram as 8 Track obsoletas nos anos 80, quando entraram em cena no mercado com três argumentos de peso: uma qualidade de som mais límpida do que o vinil, uma portabilidade que nenhum outro formato físico conseguia igualar e a capacidade de gravação. O sucesso das cassetes foi de tal forma abrangente, que rapidamente as grandes marcas de tecnologia inundaram o mercado com gravadores, rádios e aparelhagens com múltiplos decks, dando origem a um ecossistema favorável à disseminação da cassetes – e também da pirataria, dada a facilidade com que se faziam cópias a partir de discos de vinil ou de outras cassetes.

A era dourada das cassetes terminou com a invenção da música digital e com a criação do CD, desenvolvido em conjunto pela Philips e pela Sony. Este formato foi criado para armazenar música digital (CD-DA), mas rapidamente evoluiu para permitir a gravação de dados (CD-ROM). A partir daí, o CD começou a ramificar-se em vários outros tipos, como o CD-R (gravável), o CD-RW (regravável) e o VCD (Video Compact Disc), entre muitos outros. O CD destronou as cassetes e, em finais dos anos 90, parecia mesmo ter “exterminado” por completo o vinil. No entanto, não demorou muito até que a sua própria morte começasse a ser anunciada, logo no início dos anos 2000, quando o MP3 começou a desmaterializar a música e o mercado do vídeo abraçou o DVD, ficando o CD, cada vez mais e até hoje, numa espécie de “terra de ninguém”, visto que já não é necessário, mas também não se encontra extinto.

Voltar ao início

Numa altura em que a música se encontra cada vez mais desprovida de formato físico, exceção feita ao CD, que ainda serve para quem faz questão de ter fisicamente os álbuns dos seus artistas preferidos, poderá parecer irracional pensar que há tanta gente interessada em fazer fast-rewind à história dos últimos 50 anos e voltar a ouvir música em discos de vinil. À primeira vista, poderíamos até pensar que este regresso está restrito a um nicho de mercado, nomeadamente de colecionadores, mas não é isso que nos dizem os canais oficiais.

De acordo com o relatório Nielsen Music, 7,7 milhões de discos de vinil LP foram vendidos nos Estados Unidos no primeiro semestre de 2019, o que representa um crescimento de 9,6% face ao período homólogo do ano passado. Mais surpreendente ainda é verificar, no mesmo relatório, que as vendas de música em formatos físicos (onde se incluem o CD e o LP) baixaram 15,1% neste período, o que mostra que o vinil está a crescer em contraciclo com o total da categoria em que está inserido. Números à parte, a verdade é que nem precisaríamos deles para perceber que o vinil renasceu.

Se tiver visitado alguma das grandes lojas da especialidade no último ano, já deverá ter verificado que voltou a existir algo que não víamos há muito tempo: expositores de LP. E desengane-se quem pensar que nesses expositores vamos encontrar discos antigos ou usados. Hoje em dia, muitos dos novos álbuns lançados no mercado, inclusive de artistas portugueses, são logo à partida disponibilizados em CD e vinil. E, é claro, também estão atualmente à venda muitos álbuns de música antiga, mas sob a forma de remasterizações, ou seja, discos novos. Significa isto que há muito vinil a ser fabricado e vendido hoje, que nada tem a ver com os discos vendidos em segunda mão nas feiras e em pequenas lojas de compra e venda de artigos. E se assim acontece, é porque há mercado para isso.

Roda o disco…

Quando se fala sobre o ressurgimento do vinil, uma das questões mais interessantes é perceber o porquê disto acontecer. Passaram-se décadas desde o auge do vinil, pelo menos dois outros formatos lhe sucederam e não será a qualidade do som, certamente, a responsável por esta forma de revivalismo.

É verdade que os serviços de subscrição de música proporcionam acesso, portabilidade e conveniência sem precedentes, mas há uma coisa que, com a desmaterialização da música, se perdeu irremediavelmente: a “posse” dos álbuns. Com toda a música disponível na cloud e acessível através de equipamentos eletrónicos, desapareceu o conceito de ter um álbum, uma edição especial ou mesmo uma discografia completa dos nossos artistas preferidos. Regressar a um formato físico como o vinil é voltar a possuir itens físicos que podemos colecionar, são palpáveis e vendem-se em lojas físicas. De certa forma, é um regresso ao mundo “real”, numa era em que tudo é virtual.

Outra das possíveis razões para este novo olhar sobre o vinil é aquilo a que alguns chamam o fator “cool”. De acordo com a MusicWatch, uma consultora norte- -americana dedicada ao estudo da indústria da música, quase metade dos compradores de discos de vinil nos EUA tem menos de 25 anos. Este dado pode parecer surpreendente, mas nem será assim tanto se pensarmos que, com todas as gerações, vem uma nova forma de olhar para o passado.

Os millennials em primeiro lugar e, já depois deles, os centennials, demonstram interesse na música que os pais ouvem e na comparação da tecnologia que conhecem com aquela que a precedeu. Além disso, várias subculturas pop que ditam comportamentos, maneiras de vestir e formas de estar na vida hoje reportam a inúmeras referências do passado, o que faz com que basicamente tudo o que é “retro” seja também “trend”. Essa é mais uma das razões apontadas por muitos para um maior interesse, fora de tempo, no vinil.

Obviamente que o elemento de colecionismo não é nada alheio a este regresso ao vinil. Este é um formato altamente colecionável e desde os seus tempos áureos existem pessoas empenhadas em obter determinados discos que hoje são raros e muito valiosos. Normalmente, os colecionadores têm pouco interesse no vinil produzido hoje em dia. Procuram discos específicos – e o vinil sempre foi um formato especialista em criar coisas altamente específicas, como discos numerados em que o menor número corresponde à maior raridade, por exemplo. É claro que, para obter estes discos, os colecionadores têm de procurá- -los não nas grandes superfícies, mas em plataformas online, como o eBay e em pequenas lojas de compra e venda de artigos usados.

Segundo o relatório da MusicWatch, 27% dos compradores de vinil têm 36 anos ou mais, o que não é surpreendente, visto tratar-se de uma geração em que o colecionismo estava na moda e o vinil acaba por ser uma forma de reconexão à sua juventude.

Mais uma das razões possíveis para este regresso do vinil é a qualidade do som e, neste aspeto, as opiniões divergem. Apesar dos avanços do digital, os especialistas afirmam que a qualidade de som do vinil é superior à do digital, porque não está sujeita a compressão. No entanto, todos temos o ouvido de tal forma treinado para a música digital, que não notamos a perda de qualidade. Por outro lado, a qualidade de som depende não só do formato do áudio mas também dos equipamentos utilizados para ouvir música, o uso ou não de headphones, a potência das colunas e uma série de outros fatores que acabam por alterar a experiência de forma significativa, mesmo que comparando entre exemplares do mesmo formato.

Uma experiência única

No que diz respeito à qualidade do som, os apreciadores defendem que o vinil é mais rico em detalhes, o que conduz a uma sensação de som mais realista. Isto pode ser explicado pelo facto dos discos de vinil serem analógicos, o que permite a gravação de uma gama de frequências muito superior à captada pelo digital. Para perceber a diferença, é necessário, antes de mais, um excelente reprodutor de vinil, dado que ele influencia grandemente a qualidade do som que irá sair das colunas. Alguns equipamentos de baixa ou média gama disponíveis no mercado hoje em dia não possuem as regulagens necessárias para extrair o melhor do som analógico, nem reproduzem uma grande gama de frequências, chegando mesmo a comprometer o resultado final ao reproduzir um som de qualidade muito inferior à possível. É o mesmo que ligar um leitor de Blu-Ray a uma televisão antiga: embora o formato de media seja o melhor possível, o output não tem a capacidade de reproduzir toda a sua qualidade.

Significa isto que dizer que o som do vinil é melhor do que o digital não é verdadeiro. O som é diferente, é certo, mas tudo vai depender do equipamento utilizado para o ouvir. Extrair de um vinil todo o seu potencial é um desafio reservado aos entusiastas que investem em sistemas de som sofisticados e cuidam deles como se fossem uma equipa de futebol, onde cada elemento tem de ser aprimorado para que o conjunto tenha um desempenho excelente. É esta complexidade que torna viciante o colecionismo e o culto do vinil.

Além do som, propriamente dito, o vinil proporciona uma experiència visual, tátil e intelectual mais rica do que os media digitais, porque remete a um tempo em que existia o ritual de apreciar a capa – algumas, com um grande valor artístico –, retirar o disco, colocá-lo no prato, posicionar cirurgicamente a agulha na ranhura do vinil e sentar-se a ouvir. O vinil celebra uma época em que as pessoas se sentavam no sofá para ouvir um disco e apenas para isso, num tempo em que havia mais tempo e a música era apreciada, em vez de servir de banda sonora para trabalhar, para conduzir, para correr no ginásio ou para quaisquer outras atividades. Toda esta experiência, dizem os entendidos, perdeu-se com o digital, que terá tornado o ato de ouvir música mais instantâneo e mais “fácil”.

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