A necessidade de melhorar a gestão interna, diversificar fontes de financiamento, contratar profissionais qualificados e fortalecer parcerias estratégicas são os principais desafios das Organizações Não-Governamentais (ONG) portuguesas apontados pelo estudo “Diagnóstico das ONG em Portugal 2015-2024”, encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian à Universidade Católica Portuguesa, no âmbito do Programa Cidadãos Ativ@s.
De acordo com este estudo, que faz uma análise da evolução das ONG portuguesas ao longo da última década, o setor está em transformação. Entre 2014 e 2024, as ONG prestaram mais serviços e apoiaram mais cidadãos, sobretudo durante a pandemia, período em que tiveram um papel chave. Contudo, tiveram de fazê-lo com menos associados e menos voluntários.
De uma forma geral, as ONG portuguesas estão mais profissionalizadas e possuem melhor capacidade de gestão, porém, os órgãos executivos estão envelhecidos, havendo dificuldades na sua renovação, o que pode limitar a capacidade das ONG de se adaptarem mais rapidamente às mudanças no ambiente externo.
De facto, o número de colaboradores remunerados nas ONG inquiridas aumentou quase 60% face a 2015. Aqui, as ONG têm de lidar com outras das suas especificidades económicas que são o peso relativo elevado dos gastos de pessoal, a impossibilidade da produtividade dos seus trabalhadores aumentar à mesma taxa do que no resto da economia e a necessidade das remunerações não se desfasarem do que se passa no resto da economia. Daí a dificuldade em atraírem recursos humanos qualificados e conseguirem retê-los de uma forma estável.
É, no entanto, de registar diferenças entre as ONG mais antigas e aquelas que foram criadas mais recentemente. Apesar de beneficiarem de uma história consolidada, credibilidade no setor e redes de parcerias bem estabelecidas, as primeiras enfrentam maiores desafios na retenção de membros para os órgãos sociais, a complexidade nos processos ou limitações em termos de comunicação e marketing. Por seu lado, as ONG mais recentes destacam-se pela inovação, flexibilidade e capacidade de adaptação, têm modelos de intervenção bem estruturados, parcerias estratégicas, reconhecimento crescente e forte impacto social, crucial para tirar proveito de oportunidades, novas linhas de negócio, parcerias com investidores e apoio governamental.
O “Diagnóstico das ONG em Portugal 2015-2024” propõe recomendações estratégicas para o fortalecimento e sustentabilidade do setor e aponta para a necessidade cada vez mais evidente da “adoção de práticas de transparência por forma a atrair mais investimento e fortalecer a confiança das entidades financiadoras”. No que respeita às fontes de financiamento, metade das organizações afirmaram ter planos formais de angariação de fundos, o que pode ter contribuído para algum aumento do peso relativo das contribuições voluntárias privadas de pessoas individuais e coletivas no total dos rendimentos. No entanto, este peso relativo continua a ser ainda baixo.
A análise, que teve também como objetivo estabelecer uma comparação com o desenvolvimento do terceiro setor entre Portugal, Grécia, Noruega, Reino Unido e Roménia, conclui que, face a estes países, Portugal tem uma expressão de voluntariado na sociedade que é muito reduzida. O terceiro setor português tem uma força de trabalho média, no conjunto destes países, e predomina a prestação de serviços.
Para Américo Mendes, coordenador da ATES – Área Transversal de Economia Social, unidade da Universidade Católica Portuguesa no âmbito da qual este estudo foi realizado, “é muito necessário reconhecer a importância e a natureza económica do que é produzido pelas ONG, mais precisamente “bens públicos” essenciais para uma sociedade melhor e mais democrática, tais como a promoção da coesão social e territorial, a defesa dos Direitos Humanos e a proteção do ambiente e do património cultural. Este reconhecimento deve ser consequente com a natureza económica destes produtos, ou seja, deve implicar maiores contribuições voluntárias da sociedade civil em dinheiro, em espécie e em trabalho voluntário, e melhores políticas públicas de apoio a estas organizações. Isto deve vir em complemento da continuação dos esforços que as ONG têm vindo a fazer no sentido de desenvolver as suas iniciativas de angariação de fundos.”
Para Raquel Campos Franco, cocoordenadora do estudo e docente da Católica Porto Business School, “a comparação com outros países europeus – nomeadamente a Grécia, a Noruega, o Reino Unido e a Roménia – tornou evidente como são diferentes os padrões de desenvolvimento do terceiro setor na Europa e como Portugal se distingue. Partindo de níveis de riqueza muito distintos e de níveis de confiança interpessoal claramente diferentes, para mencionar apenas dois fatores contextuais, Portugal posiciona-se como um país com baixos e decrescentes níveis de voluntariado, mas com uma força de trabalho no setor que é intermédia no conjunto dos cinco países. Portugal tem em consolidação um modelo de parceria para o bem-estar social, bastante diferente, por exemplo, dos modelos liberal do Reino Unido e social-democrata da Noruega (usando a terminologia da Teoria das Origens Sociais”.
Para Pedro Calado, Diretor do Programa Cidadãos Ativ@s, que encomendou este estudo“o acompanhamento da atividade das ONG e o conhecimento sobre a sua evolução, desafios e possibilidades, são cruciais para estruturar respostas de apoio e incentivo à sua atuação, promovendo a sustentabilidade e maximizando o seu impacto na sociedade”.
Sobre o Estudo “Diagnóstico das ONG em Portugal 2015-2024”
O estudo “Diagnóstico das ONG em Portugal 2015-2024” foi encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian no âmbito do Programa Cidadãos Ativ@s, no quadro do Active Citizens Fund/EEA Grants, do Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu, financiado por recursos públicos da Noruega, Islândia e Liechtenstein. Coordenado pelos Professores Américo Mendes e Raquel Campos Franco, teve como objetivo fornecer uma análise abrangente e crítica da evolução das ONG portuguesas ao longo da última década, explorando as transformações estruturais, desafios operacionais e oportunidades estratégicas que têm moldado o setor em Portugal.
O estudo será apresentado e debatido na conferência “Cidadãos Ativ@s: Unindo Vozes, Inspirando Mudanças”, que decorre no dia 20 de novembro, na Fundação Calouste Gulbenkian.