Todos os anos são diagnosticados em Portugal cerca 400 novos casos de cancros pediátricos que, apesar da taxa de sobrevivência ser de cerca de 80%, continuam a ser a primeira causa de morte por doença entre crianças e adolescentes.
Na véspera de assinalar o Dia Internacional da Criança com cancro, a associação Acreditar afirma que “uma das iniquidades mais gritantes no caso dos sobreviventes de cancro pediátrico é não terem uma consulta de sobrevivência estruturada” em todos os centros de referência (Hospital Pediátrico de Coimbra, IPO Porto e Hospital de São João) como acontece no Instituto Português de Oncologia de Lisboa.
A diretora-geral da Acreditar, Margarida Cruz, disse à agência Lusa que em Lisboa está estabelecida a “Consulta dos duros” para os doentes que ultrapassaram a realidade oncológica com sucesso, com um plano individual de seguimento que depende do tipo de cancro e do tratamento realizado.
“Mas não temos isso no resto do país, a não ser em questões pontuais em que o médico tenha interesse num caso ou noutro e que queira segui-lo”, lamentou.
Margarida Cruz defendeu que este princípio devia estar contemplado na Estratégia Nacional de Luta Contra o Cancro, Horizonte 2030, que entrou em vigor este ano, e que tem como um dos objetivos aumentar a equidade no acesso a cuidados de saúde.
Para a responsável, “não pode existir equidade de acesso se os jovens que são sobreviventes de cancro não tiverem acesso a consultas de acompanhamento em igualdade de circunstâncias”.
“Este tipo de seguimento é uma exigência mínima desta população que não está plasmada neste programa. Eu sei que existem problemas em outras áreas, mas isso não é motivo para que não coloquemos esta orientação e estes princípios num plano que tem um horizonte temporal relativamente alargado”, defendeu.
Segundo a Acreditar, a degradação dos cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde está a preocupar pais e doentes, insistindo, por isso, que a estratégia deve integrar as recomendações do Plano Europeu de Luta Contra o Cancro, que insta os Estados Membros a dar primazia ao cancro pediátrico, e espelhar as necessidades e especificidades desta área, como a associação defende desde que o documento esteve em consulta pública em 2021.
“Aquilo que os responsáveis nacionais entendem é que o cancro pediátrico tem já um tratamento muito bom em Portugal e, portanto, que não carece de uma menção. A Acreditar entende que de facto há progressos bons (…) mas isso não pode levar a que o cancro pediátrico, que é relativamente raro e são muitos cancros diferentes, não tenha uma menção explícita”, nomeadamente em “aspetos que são essenciais e que não podem ser negligenciados”, declarou.
Margarida Cruz apontou o facto de haver tratamentos que não foram desenvolvidos especificamente para as crianças, o que disse ter “consequências muito gravosas na sobrevida destes doentes. A falta de investigação e a falta de tratamentos adequados leva a que dois terços dos sobreviventes tenham sequelas, que na maioria dos casos têm a ver com o tipo de tratamentos que foi efetuado”.
“Sem olharmos para a qualidade destes tratamentos e a adequabilidade dos mesmos, não podemos melhorar a vida destas pessoas e a vida destas pessoas é desejavelmente uma vida longa”, salientou.
Para a Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro, a estratégia também devia garantir o acompanhamento dos filhos por parte dos dois pais, sobretudo em fases agudas da doença, e assegurar que os pais possam manter o rendimento que tinham antes do diagnóstico.
“Nós percebemos que não possa ser implementado tudo uma vez, mas tem que haver um caminho, e se tem um plano com um horizonte temporal até 2030, tem que estabelecer o caminho necessário para lá chegar e chegar a bom Porto”, rematou.
Lusa