Maioria dos doentes com cancro da mama avançado desiste de trabalhar contra a sua vontade, revela esta investigação

A maioria das pessoas que vive com cancro da mama avançado desiste de trabalhar contra a sua vontade, segundo uma investigação apresentada na Sétima Conferência Internacional de Consenso sobre Cancro da Mama Avançado (ABC 7).

Para além dos custos pessoais do desemprego, o novo estudo mostra que há um custo global significativo para a economia quando os doentes deixam de trabalhar. Só em Portugal, os investigadores estimam que se perdem quase 29 milhões de euros de produtividade em três anos. Situações semelhantes existem também noutros países.

Esta investigação foi uma colaboração entre a ABC Global Alliance, a NOVA Medical School, Lisboa, Portugal e a Unidade da Mama do Centro Clínico Champalimaud, Lisboa. Os investigadores, liderados pela Dr.ª Leonor Matos da Unidade de Mama do Centro Clínico Champalimaud, apelam a alterações nas leis laborais para permitir que as pessoas com cancro avançado possam continuar a trabalhar.

Embora o cancro da mama avançado não possa normalmente ser curado, muitas pessoas vivem com a doença durante anos, período durante o qual podem estar suficientemente bem para trabalhar nas condições certas.

“Os sintomas do cancro da mama avançado e o peso da logística da monitorização e do tratamento contínuos podem tornar mais difícil para as doentes manterem um emprego. Mas o abandono do emprego acarreta frequentemente custos financeiros, sociais e de saúde mental. Quisemos estudar o impacto económico deste problema à escala nacional”, referiu a Dra. Leonor Matos na conferência.

A investigação incluiu um grupo de 112 pessoas em idade profissional ativa que estavam a ser tratadas por cancro da mama avançado (ABC) há pelo menos seis meses num dos nove hospitais em Portugal. As doentes foram questionadas sobre a sua situação laboral atual e sobre o seu trabalho antes do diagnóstico.

A maioria das doentes (87%) exercia uma atividade profissional remunerada na altura do diagnóstico. Após o diagnóstico, apenas 38% continuavam a trabalhar. As restantes estavam desempregadas, em licença médica ou reformadas. A idade média de reforma no grupo era de 49 anos. Apenas 5% das doentes afirmaram que a decisão de deixar de trabalhar foi sua.

Os investigadores utilizaram estes resultados para modelar o impacto económico provável à escala nacional. Com mais de 2.000 pessoas a viver com ABC em Portugal, os investigadores estimam uma perda de produtividade de 28.676.754 euros em três anos. A este valor acrescem mais 3.468.866 euros de custos em três anos com pensões do Estado e subsídios de desemprego. Em contrapartida, se as doentes pudessem continuar a trabalhar, os investigadores estimam que o custo dos subsídios governamentais para o trabalho a tempo parcial aumentaria 11.951.048 euros em três anos, mas com uma redução de 14.338.377 euros nos custos de produtividade.

Em termos globais, a investigação sugere que apoiar as pessoas com ABC para que continuem a trabalhar de forma mais flexível traria mais 2.431.329 € para a economia portuguesa em cada três anos.

Para a Dra. Leonor Matos “esta investigação permitiu-nos quantificar o número de doentes com ABC que são afastados do local de trabalho, apesar de preferirem continuar a trabalhar. Mostra-nos também quanto se perde para a economia quando isto acontece e, inversamente, quanto se poderia ganhar financeiramente criando as condições adequadas para permitir que as pessoas continuem a trabalhar.

“Sabemos que a perda de emprego pode resultar, em grande parte, da falta de vontade ou de políticas para acomodar as necessidades dos doentes, tais como acordos de trabalho flexíveis. Alterar a legislação laboral para dar apoio e proteção adicionais às pessoas com todos os tipos de cancro avançado pode trazer enormes benefícios para a sociedade em geral.”

Embora esta investigação se baseie em pessoas que vivem em Portugal, os investigadores afirmam que a questão dos doentes com ABC que abandonam o local de trabalho e sofrem dificuldades financeiras é comum à maioria dos países.

Por exemplo, numa segunda apresentação no ABC 7, Roberta Lombardi explicou o impacto do apoio financeiro da instituição de caridade americana Infinite Strength para as mães solteiras com baixos rendimentos que vivem com ABC. [2]

Roberta Lombardi analisou os pedidos de apoio financeiro durante seis meses para o pagamento da renda ou da hipoteca. Das 48 mulheres que se qualificaram para os subsídios, 26 eram afro-americanas. Todas as mulheres tinham reduzido o seu horário de trabalho ou sido obrigadas a abandonar o trabalho devido ao seu estado de saúde. Sete das mulheres tinham passado pela situação de sem-abrigo e todas estavam em risco de despejo.

Graças ao apoio financeiro, todas as mulheres puderam permanecer nas suas casas ou encontrar um local para viverem para si e para os seus filhos. No entanto, 28 das mulheres voltaram a ter dificuldades financeiras no final dos seis meses de apoio.

A Sra. Lombardi, fundadora e presidente da Infinite Strength, que também foi tratada de um cancro da mama em fase inicial, disse à Conferência: “Este trabalho põe em evidência o enorme encargo financeiro enfrentado pelas mães solteiras que vivem com cancro da mama metastático. A assistência financeira direta pode proporcionar estabilidade e apoio às famílias neste momento de grande necessidade financeira. Mas os números também sugerem que as mulheres negras têm mais probabilidades de voltar a enfrentar dificuldades financeiras e todos os problemas daí decorrentes quando o apoio financeiro é retirado. Isto realça a necessidade de apoio a longo prazo”.

O apoio financeiro oferecido pela Infinite Strength estava inicialmente disponível para doentes que viviam na costa leste dos EUA, mas o esquema expandiu-se para todo o país.

O Professor Eric P. Winer é Presidente Honorário da ABC 7 e Diretor do Yale Cancer Center, nos EUA, e não esteve envolvido na investigação. O Professor Winer afirmou que: “Graças às melhorias no tratamento, as pessoas com cancro da mama avançado têm uma vida mais longa e saudável. As pessoas com ABC devem poder continuar a trabalhar se assim o desejarem, não só para o seu próprio bem-estar financeiro e mental, mas também para apoiar as suas famílias e as suas comunidades.

“Os empregadores têm um papel fundamental a desempenhar para garantir que as pessoas com cancro não sejam discriminadas no local de trabalho. Devem proporcionar o ambiente adequado para ajudar as pessoas com cancro a cumprirem as suas responsabilidades profissionais. No entanto, este objetivo só pode ser plenamente alcançado com o apoio do governo para proporcionar aos doentes opções de trabalho ajustadas e flexíveis.

“Para as mães solteiras, o fardo do cancro da mama avançado, combinado com a responsabilidade de sustentar e cuidar de uma família, pode ser ainda maior. As mulheres nesta situação podem necessitar de apoio adicional para garantir que a sua qualidade de vida seja tão boa quanto possível.”

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