A ideia de paz, pela serenidade que evoca, parece ser, enganadoramente, o atingir de um patamar imutável da existência que não necessita de ser permanentemente trabalhado.
Mas a paz dá trabalho, é uma conquista diária. Implica que se fortaleçam os movimentos, internos e externos, que reconhecem a importância do impacto positivo que vamos tendo uns nos outros, ampliando harmonia e coexistência.
A paz renuncia ao lugar de frieza relacional, elaborando de forma consistente a dificuldade que tantas vezes temos em partilhar equitativamente o espaço com os outros.
As respostas mais viscerais, sem elaboração interior, são apenas descargas que utilizamos de forma primária para aliviar estados de tensão, mas não constroem nada, pelo contrário, normalmente destroem. A ideia de que ter liberdade, por exemplo, é dizer o que nos apetece sem pensar no que causa no outro e em nós é uma ideia que representa uma forma bélica de estar e que tem consequências devastadoras para a vida em geral e, claro, para a saúde (mental e física) em particular. Validar esse lugar de agressão como forma de expressão é uma inversão da ordem dos factores relacionais que pode sair muito cara à humanidade e à paz que precisamos para garantir a nossa existência enquanto espécie.
O respeito pelo espaço do outro e do nosso próprio espaço vem do reconhecimento da importância relativa que temos e da valorização efetiva do lado da humanidade que sente o prazer da partilha e da vida em conjunto. Mas quando o medo começa a ditar a relação que temos uns com os outros, ampliando-se a si mesmo e fazendo-nos agir como se estivéssemos em necessidade de alerta máximo, a nossa capacidade de pensar fica comprometida e facilmente justificamos atitudes das quais noutros momentos nos envergonharíamos.
É exatamente nestes momentos mais difíceis que temos de agarrar com força aquilo que sabemos que a paz comporta e não aceder à luta desenfreada por uma segurança enganadora. Este movimento para a paz é expressão visível da gestão permanente daquilo que em nós procura conflito e embate. É uma escolha diferenciada e exigente, consciente de que capazes de nos ouvir e de ouvir os nossos medos, somos verdadeiramente melhores a dividir a efemeridade do nosso espaço.