O diretor do Festival de Avignon, Tiago Rodrigues, disse que ser português terá influenciado negativamente a presença do teatro e da dança lusófonos na edição deste ano da mostra, mas terão “espaço forte” no futuro, pela sua “enorme qualidade”, avança a Lusa.
“Talvez, neste primeiro ano, o facto de eu ser português tenha influenciado pela negativa a presença da criação portuguesa ou de língua portuguesa por uma espécie de pudor, muito português, mas que não será levado ao exagero, porque não é o facto de eu ter nacionalidade portuguesa que deve prejudicar a criação portuguesa”, afirmou Tiago Rodrigues em entrevista à agência Lusa.
“Neste primeiro ano, era importante para mim dar um sinal de que não chegava, como às vezes acontece, com uma bagagem de amigos e cúmplices que iria ocupar este espaço de visibilidade tão importante para a criação artística”, confessou.
O encenador português vai dirigir este ano pela primeira vez o Festival de Avignon, tendo sido nomeado em julho de 2021 e tendo entrado em funções em setembro de 2022, e apresentou a programação deste que é um dos maiores festivais do mundo de teatro e da dança na primeira semana de abril.
Para Tiago Rodrigues, a linha condutora da programação para este ano foi o espírito de Jean Vilar, criador deste festival.
“Pensar o Festival de Avignon a partir de Jean Vilar é como pensar uma democracia a partir da sua Constituição, ou seja, é preciso ler o texto fundador e depois praticá-lo em função do que são os nossos tempos, a criação artística das artes performativas de hoje e aquilo que são os fenómenos económicos e sociais do nosso tempo”, indicou.
Desde logo, uma das preocupações da equipa de Tiago Rodrigues, que trabalha em parceria com as codiretoras Marta Bizarro e Géraldine Chaillou, foi que o Festival não fosse afetado pelas restrições económicas, levando o novo diretor a reunir com os órgãos públicos de financiamento e também com os mecenas.
“A primeira escolha foi a de manter a capacidade de produção e de acolhimento junto dos artistas, para que o festival não fosse vítima deste contexto económico, isso exige um grande esforço e escolhas difíceis noutros âmbitos do Festival”, declarou Tiago Rodrigues.
A prioridade do encenador português foi “dar prioridade” ao artístico, embora nalguns casos, os custos de produção, devido a matérias-primas, viagens e recursos humanos, tenham aumentado cinco a seis vezes face a anos anteriores.
Uma medida inovadora para democratizar o Festival, como defende, foi abrir as bilheteiras em abril em vez de junho, o que permite ao público planificar com mais tempo a visita a esta mostra que decorre entre 05 e 25 de julho.
Outra medida, foi o aumento dos preços do palco principal, o mítico Pátio de Honra do Palácio dos Papas.
“É uma política tarifária Robin dos Bosques. No Pátio de Honra do Palácio dos Papas sabemos que temos o público que tem mais meios, porque já eram preços mais caros e resolvemos subir apenas os preços mais caros, um valor de cinco euros, e mantivemos os médios e mais baratos. Os jovens com menos de 26 anos continuam a pagar 10 euros por cada bilhete”, explicou o diretor do Festival de Avignon.
Entre as obras programadas para esta edição de 2023 há uma peça de teatro lusófona, da autoria da encenadora e dramaturga brasileira Carolina Bianchi, a dupla de coreógrafos Sofia Dias e Vítor Roriz vão entrar no espetáculo “Paysages Partagés”, concebido por Caroline Barneaud e Stefan Kaegi, e duas atrizes portuguesas, Isabel Abreu e Carolina Passos-Sousa, estão integradas no espetáculo de Mathilde Monnier, “Black Lights”. Um espaço lusófono que deverá ser alargado nos próximos anos.
“O teatro português e de língua portuguesa – assim como a dança contemporânea portuguesa ou criada em países de língua portuguesa – terá certamente um espaço forte no Festival de Avignon nos próximos anos, não por causa do diretor deste Festival ser português, mas porque tem uma enorme qualidade e diversidade para encontrar o seu espaço”, sublinhou.
Tiago Rodrigues terá um momento de “encontro com público” durante o festival, já que durante uma única noite a sua peça “By Heart” vai ser intepretada em Avignon.
“Neste primeiro ano, eu decidi não criar uma peça nova, mas, apesar de tudo, poder apresentar uma única noite o espectáculo ‘By Heart’ para ter um encontro com o público. No futuro, como eu fui escolhido enquanto artista para dirigir o Festival de Avignon, existe uma expectativa legítima para que eu crie espectáculos no Festival de Avignon, e isso acontecerá mais cedo ou mais tarde”, declarou.
Dentro dos 44 espetáculos que apresenta, esta edição do Festival de Avignon não deixa de refletir o momento que se vive no Mundo, abrindo no Pátio de Honra do Palácio dos Papas com “Welfare”, uma peça a partir do filme de Frederick Wiseman de 1973, que fala sobre exclusão e faz um retrato das disfuncionalidades da sociedade em que vivemos.
“O que identificamos hoje nas artes performativas é uma hipersensibilidade à vulnerabilidade íntima, coletiva e social, com uma dimensão política no olhar”, observou o encenador.
A viver em França há mais de seis meses, Tiago Rodrigues não está alheio ao clima político no país, mostrando-se preocupado e interessado pelos movimentos sociais gauleses a partir de Avignon.
“Olhando para França a partir de Avignon e circulando por França, olho com grande respeito para aquilo que é o direito inalienável de todas as pessoas de se manifestarem, de participarem civicamente, de o fazerem o mais pacificamente possível e, portanto, olho com preocupação aquilo que é o perigo de polarização ainda mais profunda de uma sociedade como a francesa, onde a ascensão da extrema-direita é terrivelmente preocupante, mas também com extremo interesse porque há um debate de fundo que participa deste movimento social que é o do presente e futuro do Estado social, numa democracia europeia”, concluiu.