Piscar os olhos repetidamente, encolher os ombros, fazer movimentos faciais bruscos e pigarrear são alguns dos tiques que estão associados a pessoas com Síndrome de Tourette, uma perturbação do neurodesenvolvimento que surge em idade infantil e que pode ser um motivo de angústia, depressão e isolamento social.
Esta síndrome “resulta da disfunção neurológica em circuitos cerebrais que controlam as atividades motoras, sensoriais e emocionais”, explica Sandra Castro Sousa, neurologista da Clínica de Stº António. Apesar de os tiques serem a característica definidora da doença, apresentar apenas um destes comportamentos não é o suficiente para a síndrome ser diagnosticada.
Uma parte significativa de crianças que desenvolvem Síndrome de Tourette deixa de ter os sintomas à medida que entra na idade adulta. No entanto, muitas delas acabam por sofrer um grande impacto psicológico, causado não só pela ocorrência dos tiques, mas também pela reação das pessoas à volta.
“Vários estudos mostram que estes doentes são frequentemente vítimas de bullying e que os seus tiques podem provocar reações negativas nas outras pessoas”, alerta a neurologista. Mas há formas de gerar um ambiente mais saudável para quem sofre desta síndrome, ajudando no controlo dos tiques.
Dois pacientes com a síndrome Gilles de la Tourette podem ter tiques muito distintos, o que demonstra a grande variabilidade de sintomas entre indivíduos. No entanto, em todos os casos, existe sempre um fenómeno sensorial que precede os tiques, denominado “impulso premonitório”. Identificá-lo é o primeiro passo para controlar o comportamento.
Há ainda a distinção entre tiques simples e complexos. “Os tiques motores simples correspondem a movimentos breves, abruptos e rápidos que envolvem apenas um grupo de músculos como, por exemplo, piscar os olhos, sacudir a cabeça, encolher os ombros, fazer caretas”, descreve a médica.
Já os tiques motores complexos, “consistem em movimentos coordenados e sequenciados, semelhantes a gestos ou a atos motores inadequadamente intensos ou exagerados e socialmente inapropriados, como, por exemplo, saltar, fazer flexões, toques repetitivos, bater, chutar, curvar-se, girar.”
A pessoa pode também imitar os gestos de outros indivíduos, um comportamento designado por ecopraxia, ou pode ainda realizar tiques complexos e obscenos, ação identificada como copropraxia.
A nível vocal, também existe uma classificação idêntica. Os tiques simples correspondem a vocalizações como tossir, cuspir, pigarrear e gemer. Os tiques complexos, que surgem em 40% dos casos, passam por dizer palavrões (coprolália), repetir palavras (ecolália) e frases (palilalia).
Do tique à síndrome
Apesar de a síndrome ser caracterizada por tiques, ter um tique não significa que se tem a doença. É que “existe um espetro de perturbações de tiques distinto desta síndrome”, sublinha Sandra Castro Sousa.
“O diagnóstico da síndrome Gilles de la Tourette é clínico e resulta da combinação de tiques motores (pelo menos dois) e de tiques vocais (um ou mais), que ocorrem durante mais de um ano, surgindo antes dos 18 anos”, diz a médica.
A especialista indica contextos em que a presença de um tique não corresponde à Síndrome de Tourette:
Tiques transitórios durante a infância, que duram menos de um ano;
Quando há tiques crónicos, mas que não resultam da combinação de tiques motores e vocais;
Tiques causados por fármacos, consumo de drogas ou por outras condições médicas também não encaixam neste diagnóstico.
Características da doença
A Síndrome de Gilles de Tourette costuma surgir entre os cinco e os sete anos, começando por manifestar-se com tiques motores simples. Normalmente, os tiques começam por aparecer na região da cabeça e cervical, progredindo para o tronco e membros. “Os tiques motores surgem geralmente antes dos vocais e os simples antes dos complexos”, descreve a neurologista.
A doença vai progredindo com a diversificação e complexificação dos tiques, atingindo o auge entre os 10 e os 12 anos. A partir de então, os sintomas começam a diminuir gradualmente em termos de gravidade. Mais de metade dos doentes têm uma remissão completa dos sintomas ou mantêm apenas tiques ligeiros que não incomodam.
No entanto, há uma percentagem de casos em que a doença agrava com o tempo, podendo ser marcada pelo desenvolvimento de tiques “malignos”, que afetam a vida social e profissional do paciente. “Os fatores que diferenciam estes dois grupos ainda são desconhecidos, mas há estudos que mostram que tiques mais graves, comorbilidades não tratadas, stresse psicossocial e depressão na infância estão associados a um pior prognóstico.”
Sabe-se que a doença afeta cerca de 1% das crianças. Destas, mais de três quartos são de sexo masculino. Há ainda vários estudos que demonstram uma componente genética, apesar de ainda não ter sido identificado nenhum gene associado diretamente à doença.
Por vezes, o problema não surge sozinho. “Esta síndrome está frequentemente associada a comorbilidades, como a perturbação obsessivo-compulsiva, a perturbação de hiperatividade e défice de atenção e a doença do espectro do autismo”, explica Sandra Castro Sousa.
O treino da consciência do tique permite ao paciente reconhecer os sinais precoces do tique e o impulso premonitório. Depois de conseguir identificar o sinal, passa a treinar uma resposta que compete com o tique e que passa por um “movimento ou vocalização voluntários que são incompatíveis com o tipo de tique que se iria iniciar”, explica a neurologista. Desta forma, o paciente pode evitar o tique.
Já a intervenção comportamental para tiques baseia-se num treino de relaxamento e numa aprendizagem para “identificar e mitigar as situações que podem exacerbar a frequência e a gravidade dos tiques.”
No caso em que as terapias comportamentais são ineficazes, não estão disponíveis ou não são uma opção para o paciente, é possível recorrer-se a fármacos — os dois grupos principais são os agonistas alfa-adrenergicos e os antidopaminergicos — que atuam na supressão dos tiques, com taxas de eficácia variáveis e potenciais efeitos colaterais.
A botulina, uma toxina que causa uma paralisia muscular localizada, “também tem sido apontada como um tratamento eficaz em tiques motores focais e tiques vocais sem efeitos adversos sistémicos”, termina a especialista.