As exposições políticas realizadas em Portugal entre 1934 e 1940, em plena ditadura, são motivo da exposição que vai estar no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, a partir de sábado, que mostra como a História foi manipulada pelo poder.
Intitulada “O Espetáculo do Poder. Política e Exposições (1934-1940)”, esta mostra aborda também os pavilhões portugueses apresentados nas exposições internacionais de Paris (1937) e Nova Iorque (1939), explorando a relação entre arte, história, poder e propaganda.
Patente de 13 de maio a 30 de dezembro e comissariada por Annarita Gori, a exposição divide-se por quatro áreas temáticas, no interior do Padrão dos Descobrimentos, que recriam parcialmente os acontecimentos publicitados na altura, apresentando ainda secções sobre exposições semelhantes organizadas no resto da Europa, no período entre guerras.
Através de documentos inéditos e registos fotográficos, guardados em arquivos portugueses e estrangeiros, “O espetáculo do poder” pretende dar a conhecer como na década de 1930 Portugal investiu tempo, dinheiro e recursos humanos em exposições políticas no país e além-fronteiras.
“A década de 1930 foi o pico das exposições políticas em todo o lado. Em dez anos foram apresentadas mais de 50 exposições. Foi preciso criar um organismo para regular este setor, porque estava descontrolado”, explicou a comissária, durante uma visita à imprensa.
Nesta altura, “a propaganda começou a usar a linguagem do cinema e nasceram assim as exposições políticas, com um lado espetacular, mas que por detrás escondiam a forma como foram organizadas, porque nem sempre a imagem exposta correspondia à realidade”.
A mostra foi, por isso, montada em duas camadas: nas paredes apresenta-se “o lado visível”, os cartazes e os filmes que foram usadas na propaganda, enquanto expositores de vidro guardam “o lado invisível, os bastidores, as fraquezas, os pontos de fricção”, explicou Annarita Gori.
O primeiro núcleo, “Anos 30: A política vai à cena” faz a contextualização da época, com a radicalização da política e o nascimento de ditaduras.
Aqui se mostra, por exemplo, como o Parque Eduardo VII se transformou num espaço de experimentação, com encenações politicamente manipuladas da história recente do país, visando legitimar o novo regime, montadas naquele que é o atual Pavilhão Carlos Lopes.
O segundo núcleo, “Um passado próximo. Um futuro presente”, debruça-se sobre a Lisboa de 1934 a 1936 e mostra como “a linguagem da publicidade começa a contaminar a política”, pretendendo passar a “mensagem de que Portugal era o país da ordem”.
Na época foram apresentadas duas exposições que apresentavam a “revolução nacional” como um ponto de viragem, de uma época de caos, para o estabelecimento de uma nova ordem.
Esta eficácia e unidade do poder patente nas exposições foram “o lado visível”, mas nos bastidores, a montagem destas duas mostras caracterizou-se por dificuldades e tensões entre os protagonistas desta fase inicial da propaganda.
A estética usada já incorporava influências da propaganda usada na Itália fascista e na Rússia Soviética.
Um dos exemplos apresentados é o do “simulacro do ataque aéreo à capital”, com imagens onde se veem aviões aparentemente a bombardear a cidade e grandes rolos de fumo negro a subir do solo.
O Diário de Notícias escreveu: “Ficou destruída a estação do Rossio. Principia o bombardeamento. Rebentam as primeiras bombas de potencia extraordinária (…) cada avião deixa cair (supõe-se) duas bombas, mais ou menos quarenta no total…”.
Annarita Gori destacou o pioneirismo desta encenação, que aconteceu quatro anos antes da famosa encenação radiofónica de Orson Welles.
Este simulacro de bombardeamento “nasceu como uma prova de poder dos militares, que queriam deixar um aviso à população: ‘vejam o que está a acontecer em Espanha e que pode acontecer em Portugal’. A mensagem era que ‘o regime pode manter a ordem’”, disse a comissária.
No entanto, não correu como pretendido, porque enquanto “os militares queriam mostrar força, as pessoas simplesmente levaram aquilo como um teatro”.
Ainda neste núcleo, é possível ver o filme “A revolução de Maio”, de António Lopes Ribeiro, pertença da Cinemateca Portuguesa, que narra a história de César Valente, opositor ao Estado Novo, que regressa do exílio para derrubar Salazar, mas ao confrontar-se com os principais feitos do regime, muda as convicções e torna-se um fervoroso adepto da ditadura.
Assumido como propaganda política e apologia de Salazar e do Estado Novo, este filme foi pensado em parceria com António Ferro, responsável então pelo Secretariado da Propaganda Nacional (SPN).
Neste núcleo apresentam-se ainda as duas exposições dedicadas ao expansionismo marítimo português e ao colonialismo, realizadas em 1937: uma em Lisboa, a que a população não aderiu porque usava uma “linguagem muito sofisticada”, e outra no Porto, que teve maior adesão por não ser tão institucional e recorrer a elementos de diversão.
A terceira área temática da exposição é “Portugal nos palcos do mundo” e mostra como as exposições internacionais foram palcos cruciais para propagandear ideologias políticas, através da promoção de elementos culturais representativos da identidade nacional.
Segundo a comissária, foi nestas exposições que se deram a conhecer e a provar os dois grandes produtos de exportação do país, vinho do Porto e conservas de sardinhas.
Os pavilhões, pensados como cartões-de-visita das nações, confrontaram-se na exposição de Paris, em 1937, com os da Alemanha nazi e da Rússia Soviética colocados em frente da Torre Eiffel.
Esta foi a primeira ocasião em que António Ferro fez representar o Estado Novo num evento internacional, com um pavilhão que procurava conjugar modernidade e tradição, através de fotomontagens e baixos-relevos das fachadas, que mostravam como o país se desenvolvera sem que o progresso industrial destruísse a herança cultural e histórica.
A exposição internacional “Golden Gate”, em São Francisco, em 1939, também está em destaque neste núcleo, que mostra como Portugal se apresentou com um enorme pavilhão, inspirado na visão estereotipada de uma pequena igreja de aldeia, que propagandeava a participação de Portugal na “descoberta” da Califórnia.
Num dos ‘slogans’ podia ler-se: “Quando estiver na Europa e tiver saudades da Califórnia, visite Portugal. Porque no céu de Portugal há estrelas tão belas como as de Hollywood”.
A exposição em Nova Iorque foi pensada como um grande espetáculo luminoso e moderno, em que Portugal apostou na visão saudosista e no enaltecimento da epopeia marítima, com vista a gerar orgulho na grande comunidade portuguesa residente nos Estados Unidos, explicou Annarita Gori.
O último núcleo, “Belém, o cenário do poder”, debruça-se sobre a “grande exposição de Belém” organizada por Portugal, que foi também o último palco de encenação de poder por parte do Estado Novo.
Realizada em 1940, a “Exposição do Mundo Português” beneficiou das aprendizagens adquiridas com os ensaios do Parque Eduardo VII e com as participações nos certames internacionais.
“Belém foi a mais eficaz do Estado Novo. Conseguiu manter espetacularidade e monumentalidade, e conseguiu falar com várias camadas da população. Dava a ideia de um país grandioso”, disse a comissária.
Nas palavras de Annarita Gori, esta exposição atingiu “o auge e foi a última, porque o futuro não foi pensado. Foi desmontada e Belém ficou naquele vazio, com uma herança muito complicada, porque se tornou um espaço sem aproveitamento e ficou sempre como o palco de celebração do regime”, originando um percurso de requalificação errático que ainda hoje é tema de debate.