Microbiota intestinal: o que é e a importância para a saúde

Alimentação e estilo de vida moldam os biliões de bactérias da microbiota intestinal. Considerado um segundo cérebro, e com ligações ao sistema imunitário, imprime uma marca multifacetada nas patologias crónicas e na suscetibilidade à depressão.

A tentativa de compreender a doença que tem abalado o mundo nos últimos meses conduziu a uma profusão de trabalhos de investigação. Um deles é português e centra-se na relação entre a severidade da doença provocada pelo novo coronavírus e a microbiota intestinal. Suspeita-se que o seu desequilíbrio agrava os sintomas da covid-19. A hipotética associação ancora-se na própria natureza explicativa da microbiota para outras patologias: doenças inflamatórias do intestino, cancro do cólon, obesidade, diabetes, alergias e até depressão e ansiedade.

Há quem lhe atribua o honroso epíteto de “segundo cérebro”, pela sua relevância no funcionamento do organismo. A descodificação do genoma das bactérias intestinais, desde 2006, evidenciou o seu papel na digestão, nas várias funções metabólicas e no sistema imunitário. Com dois quilos, e outrora designada por flora intestinal, a microbiota conserva-se relativamente estável ao longo da vida. Alberga microrganismos que interagem entre si e com o corpo. A diversidade e a riqueza da microbiota, asseveram os especialistas, é sinónimo de boa saúde.

São mais de 100 mil biliões de bactérias de mais de 150 espécies, alojadas maioritariamente no cólon, e sem as quais não sobreviveríamos. Um terço daquelas espécies são comuns a 90% dos humanos. Três grupos de bactérias intestinais – Bacteroides, Prevotella e Ruminococcus –  dependem das espécies dominantes na microbiota. Os elementos que os moldam assumem ligações intrínsecas com a alimentação que privilegiamos, os hábitos culturais que nos norteiam, a etnia a que pertencemos e o exercício físico que praticamos.

Gordura, açúcar e sal: a tríade nociva

Estudos populacionais demonstraram a influência da alimentação na diversidade e na composição da microbiota. A prova sobre os efeitos dos nutrientes em particular é difícil de estabelecer, ao contrário dos malefícios do excesso de gordura, açúcar e sal, característico dos hábitos alimentares das sociedades ocidentais. Já o consumo de aditivos, entre os quais figuram os edulcorantes, carece de mais investigação para semelhante ilação. Por apurar, igualmente, estão os efeitos, a longo prazo, na microbiota, de dietas que eliminam o glúten, seguidas por não celíacos. A dieta mediterrânica é comprovadamente benéfica pela incorporação harmoniosa de legumes, frutas e leguminosas, numa variedade que equilibra a microbiota.

Um indivíduo saudável vive em harmonia com a sua microbiota, numa troca entre alimentos, que nutrem as bactérias intestinais, e metabolitos por estas produzidos, indispensáveis ao equilíbrio do ecossistema. Múltiplas são as funções da microbiota, mas a digestiva é a mais conhecida. Os resíduos alimentares não digeríveis (sobretudo fibras e amido resistente), uma vez fermentados pelas bactérias do cólon, produzem ácidos gordos de cadeia curta, como o butirato, o acetato e o propionato, que nutrem as células do cólon garantindo, em simultâneo, a sua impermeabilidade e a função de barreira. O butirato, por exemplo, pode agir na prevenção do cancro colorretal. Aqueles ácidos estimulam também a produção das hormonas associadas à saciedade.

Dieta mediterrânica e exercício, a dupla inseparável

A composição da dieta mediterrânica, variada por natureza, gera diversidade bacteriana. Agrega frutas, legumes e leguminosas, mas também gorduras insaturadas, mais saudáveis, como o azeite. A dieta mediterrânica modera ainda a ingestão de carnes vermelhas, privilegiando carnes magras e peixe, sem excluir grupos ou confinar-se a um macronutriente. Além disso, marginaliza o consumo de álcool, de sal, de doces e de bebidas açucaradas, bem como de alimentos processados com aditivos (adoçantes, por exemplo).

A composição da flora intestinal e das suas bactérias pode ser melhorada através da ingestão de prebióticos. Encontra-se em especial nas fibras de alimentos, como maçã, aveia, trigo integral, cebola, alho, alho-francês, banana e leguminosas (lentilhas e feijão).

Outra opção para harmonizar e enriquecer a flora intestinal é o consumo de probióticos. Trata-se de bactérias vivas suscetíveis de exercer algum efeito benéfico e que integram, por exemplo, o iogurte, o leite fermentado e o kéfir.

A prática regular de exercício físico, um aliado na melhoria da qualidade de vida, é um agente de mudança positiva da microbiota.

Intestinos no centro da imunidade

A função de barreira perante as bactérias patogénicas, por demais reconhecida, esmorece face ao poder das bactérias intestinais na maturidade do sistema imunitário. Grande parte – pelo menos, 60% – das células imunitárias residem nos intestinos. Outro papel essencial da microbiota é a produção de vitaminas do grupo B (importante na formação dos glóbulos vermelhos) e K (interveniente na coagulação sanguínea) e o metabolismo de substâncias indesejáveis, como certos carcinogénicos. A perturbação desta velocidade de cruzeiro corporiza-se na chamada disbiose, que designa o desequilíbrio do ecossistema bacteriano, e que se encontra associada a doenças, principalmente as autoimunes, como a celíaca, as inflamatórias (doença de Crohn e colite ulcerosa) e as metabólicas (obesidade e diabetes).

Permanece por deslindar uma questão: a disbiose é causa ou consequência das doenças que lhe estão associadas? Sabe-se que a sua origem reside num ajuste de fatores, prendendo-se a causas tão desiguais, como a genética, o stresse e o estilo de vida.

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