O desafio de abrir um negócio após os 50

Não é por já ter passado os 50 anos que pode prescindir de ser empreendedor. Se lançar projetos e formar empresas o motiva, ainda está a tempo de sentir-se profissionalmente realizado.

Não é por já ter passado os 50 anos que pode prescindir de ser empreendedor. Se lançar projetos e formar empresas o motiva, ainda está a tempo de sentir-se profissionalmente realizado.

Uma das questões pouco discutidas na sociedade portuguesa é o que uma grande fatia da população com mais de 50 anos fará até atingir a idade da reforma. Com o mercado de trabalho a mudar rapidamente com a introdução de novas tecnologias e a existência de muito emprego temporário ou precário, a idade de empregabilidade tende a diminuir e uma das saídas possíveis de uma situação de inatividade “forçada” é o empreendedorismo.

A Kauffman Foundation, uma fundação norte-americana que se dedica a estudar o fenómeno do empreendedorismo, com o objetivo de promover a educação e a formação empresarial, diz que 26% dos novos empreendedores tinham entre 55 e 64 anos em 2015, o que representa um aumento de 11% face ao ano de 1997. A revista Business Insider confi rma a tendência, afi rmando que as pessoas nesta faixa etária têm a maior taxa de empreendedorismo dos últimos 10 anos. E até o New York Times já se debruçou sobre o tema, concluindo que, só nos Estados Unidos, existem mais de cinco milhões de empreendedores com mais de 55 anos.

Mas o que será que existe de tão motivador no empreendedorismo ao ponto de aliciar pessoas que já passaram uma grande parte das suas vidas a trabalhar? O que faz alguns trocarem a segurança (ou a sensação de segurança) de um trabalho por conta de outrém para se aventurarem sozinhas na criação de um novo negócio?

Catarina Seco Matos (CSG/ ISEG e IN+/ IST, Universidade de Lisboa) e Miguel Amaral (IN+/ IST, Universidade de Lisboa) são investigadores na área do empreendedorismo sénior e autores do livro “Empreendedorismo após os 50 anos – um estudo sobre Portugal”, em co-autoria com Maria João Santos. Em entrevista à Forever Young, explicam o que está em causa no empreendedorismo nesta fase da vida e as motivações de quem cria uma empresa mais tarde.

São autores do livro “Empreendedorismo após os 50 anos — um estudo sobre Portugal”. Como se caracteriza o empreendedor típico em Portugal?

São, normalmente, os homens, na faixa dos 40 anos, com a escolaridade obrigatória, que tomam a iniciativa de criar um pequeno negócio que possa garantir a sua subsistência. Na maioria dos casos, o período de atividade destas empresas é de dois anos.

O livro “Empreendedorismo Após os 50 anos – um estudo sobre Portugal”, em co-autoria com Maria João Santos, resultou de um projeto de investigação que pretendia analisar o fenómeno do empreendedorismo nesta faixa etária. Quando falamos em empreendedorismo após os 50 anos referimo-nos à criação de empresas por pessoas com mais de 50 anos, ou seja, analisamos apenas as pessoas que criaram empresas nesta idade. Pretendemos analisar os que fazem a transição para o empreendedorismo nesta fase da vida, qual o impacto para a pessoa (em termos de satisfação com o trabalho e com o rendimento que se obtém) e para a sociedade.

Dado que, segundo a OCDE, Portugal será brevemente (2050) o segundo país com população mais envelhecida do Mundo, a análise da forma como estes negócios criados por seniores podem contribuir para a sociedade poderá ser útil para o País preparar estratégias para lidar com este cenário.

Os empreendedores seniores portugueses têm perfis muito variados, mas podemos dizer que, frequentemente, são homens, casados, na casa dos 56 anos. O nível de educação tende a ser mais elevado do que o existente para a população desta faixa etária em geral.

Quais as razões que levam uma pessoa a criar uma nova empresa aos 50 anos?

Com o aumento da esperança média de vida, a decisão de continuar a trabalhar por mais anos, seja por gosto ou por necessidade, acaba por surgir como uma questão.

Entre outras possibilidades, o empreendedorismo – pela criação de um negócio, empresa ou associação (com ou sem trabalhadores) – pode ser uma opção. As razões que levam as pessoas a tornarem-se empreendedoras nesta faixa etária são variadas. A criação de um negócio pode ser um projeto antigo e que foi sistematicamente adiado ao longo da vida; pode revelar o desejo da pessoa se manter ativa através do trabalho; ou pode simplesmente ser uma forma de implementar as suas próprias ideias.

Em Portugal, estes casos estão mais ligados ao desemprego de longa duração ou ao desejo de mudar de vida?

Normalmente segmentam-se as motivações para empreender em dois grandes grupos – as pessoas que empreendem porque identifi – cam uma oportunidade de negócio e as que o fazem por falta de outras oportunidades no mercado de trabalho. A investigação mostra que, em Portugal, as pessoas com mais de 50 anos parecem ser mais motivadas pela identifi cação de uma oportunidade de negócio. No entanto, criar uma empresa porque não encontram outras opções no mercado de trabalho tem um peso superior entre as pessoas com mais de 50 anos comparativamente com os mais jovens.

Quais são as diferenças que identifica entre ser empreendedor aos 50 ou aos 20?

À medida que envelhecemos consideramos que o tempo que temos para viver é menor do que o tempo vivido. Esta realidade pode mudar a forma como encaramos a vida e os objetivos que defi nimos. Assim, apesar de, à medida que a idade aumenta, poder haver vontade de trabalhar por conta própria, ser independente e desenvolver as próprias ideias, normalmente, estes projetos não envolvem a criação de muitos postos de trabalhos, sendo antes negócios pequenos, que pretendem satisfazer os desejos e/ou as necessidades do empreendedor sénior.

Adicionalmente, ao longo da vida acumulamos capital humano (educação, formação específi ca, experiência no mercado de trabalho, num setor específi co de atividade), capital social (redes de contactos), capital fi nanceiro e reputação social. Todas estas valências podem continuar a ser importantes e a servir a sociedade caso os indivíduos com mais idade optem pela criação de um negócio.

Existe a ideia de que a idade acarreta uma maior experiência mas, por outro lado, a juventude está associada a um maior dinamismo. O que pesa mais na balança no arranque da empresa, nomeadamente na apresentação a potenciais investidores ou mesmo clientes?

Infelizmente, em geral, discrimina-se bastante pela idade. O idadismo é uma das formas de discriminação mais frequentes (mais do que o racismo ou o sexismo). No entanto, a idade é uma variável fundamental porque transversal a todos os indivíduos e, se tudo correr bem, todos iremos envelhecer. Portanto há que compreender e aceitar algumas características, em geral, associadas a determinada fase da vida.

Quanto à relação com investidores e clientes, é difícil generalizar. O perfi l do empreendedor é heterogéneo e, além da idade, há outros aspetos relevantes como o nível de educação, a experiência profissional, a existência de sócios, o setor de actividade da empresa. Todas estas variáveis são valorizadas pelos parceiros.

Portugal dá as condições necessárias a quem quer ser empreendedor nesta ou noutra idade qualquer?

Os empreendedores são pessoas que fazem acontecer. Valorizam a certeza, a clareza, a simplicidade nas relações com o Estado. Muitas das pessoas com quem falámos referiam até não pretenderem quaisquer apoios governamentais. Apenas não queriam ser confrontadas com licenças ou multas sem que a informação fosse clara sobre o necessário para cada tipo de estabelecimento ou setor de actividade.

Apesar do País disponibilizar alguns apoios (físicos e/ou digitais) parece que a redução do nível de burocracia é um aspeto importante. Também a dinamização do mercado e a promoção de uma cultura mais empreendedora, menos avessa ao risco, serão temas significativos.

Culturalmente, empreender aos 50 anos pode ser visto socialmente como algo desaconselhado pelo risco que pode envolver, excesso de stress, número de horas de trabalho, e/ ou desatualização face a novas exigências e dinâmicas do mercado. Daí que a participação da família e amigos seja importante. Saber que nos apoiam pode dar mais força e confi ança no momento de decidir avançar. No entanto, as dúvidas e as críticas também são importantes porque nos ajudam a questionar o projeto e a identifi car as difi culdades que poderemos encontrar.

O que falta para incentivar mais pessoas a criar os seus próprios negócios?

Até há pouco tempo as pessoas começavam o seu percurso de vida a estudar, depois vinha a fase do trabalho e fi nalmente a reforma. Hoje os percursos são menos estereotipados. Entre outros exemplos, as pessoas trabalham e estudam em simultâneo, reformam-se a tempo parcial porque começam uma nova atividade profissional.

Sabemos que, após os 50 anos, dos que continuam ativos no mercado de trabalho, cerca de 24% trabalha para si próprio, o dobro do que acontece com os mais jovens.

No entanto, mais do que fazer a apologia do empreendedorismo como a panaceia para todos os males, o que nos parece ser relevante será criar condições de apoio a quem pretende realmente criar o seu negócio, vendo o empreendedorismo de forma mais inclusiva, indo além da mera criação de uma empresa ou de postos de trabalho, mas antes como uma verdadeira opção de vida, madura e informada.

O empreendedorismo é, por norma, um caminho que, numa fase inicial, absorve muito mais tempo e energia do que um trabalho por conta de outrém, por vezes com um retorno inferior. Em que medida vale a pena deixar um trabalho para se tornar empreendedor numa fase avançada da vida?

Os estudos revelam que as pessoas que optam por deixar um emprego ecriar um negócio, mesmo implicando um rendimento menor, mostram, em média, conseguir melhor qualidade de vida do que aquelas que optam por fi car no mesmo emprego.

A investigação revela também que a criação de um negócio, num setor de actividade onde há experiência profi ssional prévia irá, posteriormente, contribuir para um maior nível de satisfação com a futura empresa.

Empreender ou não empreender é, por isso, a questão! Como muitas outras coisas na vida, todas as opções têm potencial de sucesso. Se a informação ajuda a decidir, a preparação e o planeamento são úteis mesmo para os mais determinados e entusiastas.

DICAS

Esteja preparado para fazer tudo

Criar uma empresa desde o início requer tempo, dedicação e muito trabalho. Se se tratar de um pequeno negócio, que não implique muitos ou mesmo nenhum posto de trabalho, terá de fazer praticamente tudo o que implica o funcionamento normal de uma empresa. Além de ser chefe de si próprio, também será gestor de uma empresa, secretário e, se for preciso, estafeta. Dificilmente um empreendedor pode limitar-se ao trabalho inerente à sua função, pelo que deve estar preparado para uma grande versatilidade.

Planeie, planeie, planeie

Constituir uma empresa obedece a parâmetros legais que não são complicados, mas são específicos, necessários e obrigatórios. Tenha em consideração todas as despesas envolvidas na criação da empresa, planeie a pelo menos um ano os seus objetivos financeiros, crie uma estratégia comercial para os atingir e preveja desde o início a necessidade e os custos envolvidos na contratação de pessoal. Não se esqueça também de ter em consideração os impostos da empresa, os seus e os dos seus funcionários.

Estude muito

Sempre que possa, converse com pessoas do setor de atividade e estude muito. Conheça o seu produto melhor do que ninguém e saiba como convencer as pessoas de que precisam dele. Se por um lado o empreendedor com mais de 50 anos é mais resistente à pressão e mais difícil de se assustar ou desanimar, por outro não pode se dar ao luxo de perder dinheiro. Se alguma coisa correr mal, pode não ser fácil voltar ao mercado de trabalho.

Considere uma opção de franchising

É uma das vias de empreendedorismo possíveis se preferir apostar num produto já implementado com sucesso no mercado. Mas é preciso pensar muito bem. Se, por um lado, terá um “pacote pronto”, com maior controlo do investimento inicial e suporte fornecido pela rede, por outro lado o investimento poderá ser superior, além de que os franchises têm limitações e muitos aspetos padronizados, pelo que não poderá colocar toda a sua criatividade neste tipo de negócio.

Trabalhe por prazer

Se uma grande parte da sua vida foi feita a trabalhar para ganhar dinheiro, por vezes a desempenhar funções de que não gostava, esta é a altura em que deve trabalhar por prazer e não por obrigação. Mesmo que o seu empreendimento seja necessário para pagar contas, pare e pense se o negócio que está a criar lhe vai proporcionar satisfação. Se a resposta for negativa, talvez seja melhor escolher outro caminho.

Não desvalorize as tecnologias

No Mundo atual, seja qual for o seu negócio, a tecnologia deverá ser parte integrante. Se, por exemplo, estiver a pensar abrir uma loja, inclua no seu planeamento a criação de um site e a presença nas redes sociais. Mas não basta criar estas ferramentas. Lembre-se de atualizar frequentemente o site e tenha uma presença assídua nas redes sociais para promover o seu negócio com posts e para responder a dúvidas e críticas dos seus clientes.

Faça sobrar tempo

Olhe para o seu negócio de forma realista e perceba como será o seu dia típico de trabalho. Provavelmente, o que procura aos 50 anos não é um trabalho que o absorva por completo ou que o obrigue a trabalhar fora de horas. Escolha uma atividade que lhe permita ter tempo para si e para a sua família. O seu objetivo deve ser melhorar e não piorar a sua qualidade de vida. Seja feliz!

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