Opinião: «A obesidade e o mito de Sísifo: doentes condenados a lutar todos os dias contra a obesidade, mesmo sabendo que dia após dia a obesidade regressa»

Artigo de opinião de Gil Faria, cirurgião especialista em Cirurgia da Obesidade e Metabolismo,  Coordenador dos Centros de Tratamento da Obesidade do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, e do Grupo Trofa Saúde. Professor da FMUP e investigador clínico na área da Cirurgia Metabólica e Obesidade

Na mitologia grega, Sísifo é conhecido pelo seu castigo eterno no submundo, onde é condenado a rolar uma pedra montanha acima, apenas para a ver rolar de volta para baixo antes de atingir o topo. Este mito tem sido frequentemente interpretado como uma metáfora para tarefas fúteis e impossíveis, onde o esforço parece inútil diante da inevitável derrota…

Ao olharmos para a obesidade, vemos muitas vezes um cenário semelhante: doentes condenados a lutar todos os dias contra a obesidade, mesmo sabendo que dia após dia a obesidade regressa, tal como a pedra ao sopé da montanha.

A obesidade é uma doença complexa e multifatorial, influenciada por uma interação entre fatores genéticos, ambientais, sociais e comportamentais. Muitas vezes, a perda de peso parece uma batalha contínua e desanimadora, onde os esforços para alcançar um peso saudável se assemelham ao castigo de Sísifo, sem nunca alcançar um sucesso duradouro.

O tratamento clássico para a obesidade tem-se baseado na tentativa de diminuir o peso da pedra (controlo da ingestão alimentar) ou de incentivar o trabalho de Sísifo (exercício físico). E, tal como este, os doentes com obesidade têm um caminho a trilhar de perseverança e resistência. Apesar das repetidas derrotas, continuam a encontrar significado no seu próprio esforço persistente. Cada tentativa de adotar hábitos saudáveis, resulta num crescimento pessoal, mas, frequentemente, resulta num regresso ao estado de partida.

Como seria a vida de Sísifo se lhe conseguíssemos remover a pedra? Como seria a vida de um doente com obesidade se lhe conseguíssemos reduzir o peso que o empurra constantemente montanha abaixo? E é precisamente isso que a cirurgia metabólica oferece: a possibilidade de remover a pedra.

A cirurgia permite ao doente que este deixe de ter o seu metabolismo em permanente luta interna; permite-lhe escalar a montanha, sem ter de carregar constantemente o peso da derrota. A cirurgia possibilita que, pela primeira vez, os doentes com obesidade consigam ver uma real recompensa para os seus esforços ao adotarem hábitos mais saudáveis. Facilitando a adesão aos planos alimentares e diminuindo a adaptação do metabolismo, permite que os doentes percam peso de forma duradoura. Isto funciona também como reforço para manter os hábitos alimentares e facilita a prática de exercício físico. Portanto, não só removemos a pedra de Sísifo como lhe conseguimos dar mais força para subir montanha acima, muito mais leve e confiante na vitória final.

É verdade que o tratamento da obesidade pode ser desafiador e cheio de obstáculos, mas com o tratamento adequado podemos encontrar, finalmente, esperança de que o esforço, a determinação e a resiliência poderão finalmente obter resultados. Em cada passo montanha acima, os doentes com obesidade conseguirão caminhar (agora sem o peso da pedra) em direção a uma vida mais completa e saudável. Agora que se comemora o Dia Nacional de Luta Contra a Obesidade, vamos todos ajudar a remover as pedras e empoderar os doentes com obesidade a recuperar o controlo do seu destino.

 

 

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