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Mo Gawdat: «Todos somos felizes ‘por defeito’»

“A Equação da Felicidade” é o livro em que o ex-líder da Google [X] revela como funciona a sua fórmula matemática para a felicidade. Editado em 25 países, incluindo Portugal (Lua de Papel), este é um best-seller a nível mundial que nasceu a partir de um acontecimento trágico e ganhou um intuito: tornar os outros felizes.

18 Setembro 2018
Forever Young

Aplicar o conceito de felicidade à algoritmia poderia não ser a ideia mais óbvia até que alguém o fizesse, e quem o fez foi Mo Gawdat, engenheiro e ex-líder da Google [X], uma divisão semi-secreta da empresa que desenvolve projetos tecnológicos para o futuro.

Apesar de ser rico, bem-sucedido profissionalmente e casado com a mulher da sua vida, Mo Gawdat começou a estudar o tema da felicidade em 2001 e desenvolveu uma fórmula que revelou no livro “A Equação Para a Felicidade”, escrito em 2010, 17 dias depois de um acontecimento trágico: a morte do seu filho, Ali.

Desde o lançamento do livro têm vindo a multiplicar-se as reações positivas, bem como o alcance do movimento #onebillionhappy, uma campanha online com o objetivo de tornar felizes mil milhões de pessoas.

Como ser feliz? Mo Gawdat responde à Forever Young.

 

Como surgiu a ideia de desenvolver uma equação para a felicidade?

Tal como a maioria das pessoas, eu não era feliz e resolvi começar a investigar este tema a partir de um ponto de vista que fosse capaz de compreender. Os livros sobre felicidade tendem a centrar-se na espiritualidade e, como engenheiro, tinha dificuldade em entender esse tipo de abordagem. Por este motivo, comecei a comparar a felicidade com uma máquina que, a determinada altura, deixa de funcionar. E quando se adota esta abordagem, temos de pensar em termos de engenharia e tentar dar respostas às perguntas que um engenheiro faz perante uma avaria. Em que momento a máquina deixou de funcionar? Como funcionava quando estava em perfeitas condições?

Ao tentar identificar quando comecei a sentir-me infeliz, percebi que era feliz aos 23 anos, no início da idade adulta, aos 16, em plena adolescência, aos 8, na infância… Recuando ainda mais e de forma muito interessante, percebi que era feliz aos zero anos. Ou seja, o ser humano é feliz na sua origem. Todos somos felizes “por defeito”.

Um bebé não precisa de nada do seu ambiente exterior para ser feliz, desde que as suas necessidades básicas sejam satisfeitas. Se não sentir fome, sede, frio ou dor, por exemplo, o bebé é feliz. Faz parte da sua maneira de ser. Mas depois cresce e começa a ouvir dizer que tem de ser bem sucedido na vida, que tem de ganhar muito dinheiro, que tem de ter um determinado tipo de corpo… E ao começar a acreditar em tudo isto, deixa de ser feliz.

Numa segunda abordagem, e voltando ao exemplo do bebé, observei que a sua felicidade não depende de fatores externos e assim se mantém até que tenha fome, por exemplo, ou seja, até que uma necessidade primária deixe de estar satisfeita. Quando isso acontece, alimentamos o bebé e ele volta ao seu estado original de felicidade. Isto alertou-me para uma coisa muito simples, mas surpreendente: felicidade não é mais do que a ausência de infelicidade. Não precisamos de artigos de blogues para nos darem listas de 10 coisas que temos de fazer para sermos felizes. Temos de fazer apenas uma: deixar de ser infelizes. O que resta depois disso é a felicidade que existe em nós como “predefinição”.

 

Se basta isso podemos dizer que ser feliz é uma escolha?

É indubitavelmente uma escolha. Após chegar a estas conclusões, comecei a investigar aquilo que chamo de matemática da felicidade. O meu objetivo era escrever uma equação, algo que fosse preditivo do que nos faz felizes ou infelizes. Comecei a anotar todos os momentos da minha vida em que me senti feliz e extrapolei esses dados para gráficos para tentar encontrar um padrão. E ele estava lá: a minha felicidade é maior ou igual à diferença entre os acontecimentos da minha vida e a minha expetativa de como a vida deveria ser.

Tendo esta equação em consideração, podemos preditivamente criar felicidade sem depender das coisas que nos acontecem. A vida não tem de nos dar nada porque o que nos faz felizes ou infelizes é a diferença entre acontecimentos e expetativas. Vamos supor, por exemplo, que amanhã vai chover. A chuva pode fazer-me feliz ou infeliz, dependendo do que quero fazer amanhã. Não é a chuva ou qualquer outra coisa que vida nos dê, que influencia a nossa felicidade. É a forma como respondemos a esse evento.

A minha investigação continuou, facto após facto, até encontrar felicidade em todo o lado. Não se trata de nunca nos sentirmos tristes. Trata-se simplesmente de podermos sempre regressar à felicidade.

 

A equação determina que a felicidade de alguém é maior ou igual à diferença entre os acontecimentos da vida e a expetativa de como a vida deveria ser. Acha que o mundo seria um sítio melhor se não tivéssemos tantas expetativas sobre tudo?

Não existe nada de errado em manter as nossas expetativas em alta, desde que façamos as coisas certas para as atingirmos e, assim, criarmos um mundo melhor. É bom ter expetativas, e só quando as elevamos nos tornamos persistentes, tentamos e temos esperança. O que fazemos ou não perante essas expetativas é o que influencia a felicidade.

Nada de bom vem de alguém ficar fechado no quarto a chorar depois de ter falhado em algo sobre o qual tinha grandes expetativas. É preciso aprender com o erro e tentar de novo.

Eu, por exemplo, envolvi-me na missão de fazer 10 milhões de pessoas felizes através do lançamento do meu livro e consegui-o em oito semanas. Vale a pena baixar os braços agora e não ter mais expetativas? Claro que não! Superado o desafio, criei um novo: tornar felizes mil milhões de pessoas.

 

Como se torna felizes mil milhões de pessoas?

A missão baseia-se em três fases. A primeira é dar prioridade à felicidade. Não podemos achar que ser infeliz é “normal” só porque outros o são também.

E como se dá prioridade à felicidade? Não indo a uma entrevista de trabalho pelo dinheiro que vamos ganhar com aquele emprego, mas porque aquele emprego vai fazer-nos felizes. Comprando um carro não porque é caro, vistoso ou da marca A, B ou C, mas porque nos facilita a vida. Há milhares de formas de dar prioridade à felicidade em detrimento do que é acessório.

Segunda fase: trabalhar para conseguir. Ninguém perde peso se não fizer dieta e exercício físico; ninguém aprende alemão se não for para um curso e estudar; e ninguém consegue um emprego de sonho se não o procurar primeiro. É preciso lutar pelo que queremos e investir na nossa felicidade.

A terceira fase consiste em ter a emergência de fazer os outros felizes. Ao aprender que algo nos faz feliz, partilhemo-lo com outros, que por sua vez irão contar a outros, criando uma cadeia de felicidade. Começamos com uma pessoa feliz e de repente, em pouco tempo, temos mil milhões de pessoas felizes. Existem diferentes níveis de felicidade, sendo que o expoente máximo é fazer os outros felizes.

 

A equação para a felicidade não inclui a variável dinheiro. Afinal o dinheiro traz ou não felicidade?

Voltemos ao exemplo do bebé de que falámos no início da entrevista. De quanto ele precisa para ser feliz? O dinheiro proporciona felicidade enquanto as nossas necessidades básicas não forem satisfeitas porque ele é necessário para comer, para vestir, para ter um sítio onde morar, entre outras coisas. Contudo, mais dinheiro do que o necessário para satisfazer essas necessidades não traz felicidade e é apenas um meio para comprarmos coisas de que não precisamos. Pensamos que um telemóvel novo, de topo de gama, vai fazer-nos felizes, mas a verdade é que meses depois de o comprarmos já existe um novo modelo ainda melhor. Pensamos que um aumento do salário vai trazer-nos felicidade, mas quando o conseguimos, percebemos que o dinheiro continua a não chegar.

Passar a vida a trabalhar demais para comprarmos coisas que não precisamos não faz ninguém feliz.

 

Isso não é uma forma de resignação?

É mais uma forma de aceitação. Vejamos, por exemplo, a relação do ser humano com a natureza. Se vemos uma árvore torta, não começamos a pensar numa forma de endireitá-la. Se olhamos para o mar não ficamos ali a “matutar” que a vista é fantástica, mas bom mesmo seria se pudéssemos baixar o volume do som porque está muito alto e não conseguimos conversar. Aceitamos a natureza como ela é, e o que está aqui em causa é aceitar a verdade da vida porque o que nos faz infelizes são os pensamentos obsessivos sobre coisas que são acessórias.

Mas atenção: não defendo com isto que devamos aceitar o que está errado. Não se trata aqui de aceitar um ditador. Devemos combater aquilo que está errado e não tem necessariamente de ser algo tão radical como um ditador.

 

Após a morte do seu filho alguma vez deu consigo a negar a equação da felicidade? Como aplicá-la numa situação tão trágica?

Não houve negação. O que houve foi muita dor, que é diferente de infelicidade. A dor é motivada por agentes e fatores externos, e é boa porque mantém-nos vivos. Já a infelicidade é, se quisermos, dor a pedido. É termos uma discussão com o nosso cônjuge na sexta-feira e no sábado estarmos a pensar que ele já não gosta de nós; e no domingo, que vamos terminar; e na segunda, que ele nos trai. É um crescendo de dor autoimposta que a determinada altura já nem sabemos de onde surgiu.

A dor é real, e quando alguém morre, perdura no tempo. O que fazer nessa situação? No meu caso pessoal, em vez de ser infeliz, digo a mim mesmo que o meu filho e eu tivemos uma vida fantástica. Ele foi o meu mentor e abençoou a minha vida. Morreu sem dor e viveu até aos 21 anos. Viveu a melhor parte da vida.

Mais importante do que isso, comecei a perceber o quanto o amo e que não existe nada que eu possa fazer para o trazer de volta. É esta a verdade que dói, mas que precisa ser aceite.

Comecei a escrever sobre felicidade 17 dias depois da morte do meu filho porque queria dar um sentido àquela morte: fazer felizes 10 milhões de pessoas. Depois de concluído o livro, o universo conspirou para que se tornasse um sucesso. Conheci o melhor agente do mercado, rapidamente o livro atingiu o top 5 do mundo, e um ano depois está publicado em 25 países e a espalhar-se por todo o mundo. Mas eu não sou responsável por fazer ninguém feliz. Eu só posso ensinar as pessoas a dar prioridade e a investir na sua felicidade. E incentivar quem o conseguir a partilhar com outros.

 

O mundo ganhou uma equação para a felicidade, mas à primeira vista não parece mais feliz do que antes. Será porque o ser humano é muito mais complexo do que a matemática?

Não somos assim tão complicados, embora tenhamos a tendência de complicar. A felicidade encontra-se na verdade, e quando a procuramos, corremos o risco de não gostar do que vamos encontrar. A minha verdade é que o meu filho morreu. A verdade dói, mas quando a aceitamos, encontramos a felicidade. Esta equação não é sobre diversão, festa e lazer. É sobre uma felicidade interior, uma paz que encontramos quando aceitamos a vida como ela é. E a vida é uma soma de zeros. Entramos com nada e saímos com nada. “Alugamos” coisas pelo caminho que iremos perder mais à frente. Quando se percebe isto a vida é uma coisa maravilhosa.

Paulo Mendonça

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